A Cibernética do Self: Uma teoria do Alcoolismo
A “lógica” da
adicção alcoólica tem deixado perplexos psiquiatras não menos que a “lógica” do
regime espiritual estrênuo pelo qual a organização Alcoólicos Anônimos é capaz
de contrapor-se à adicção. No presente ensaio é sugerido: (1) que uma
epistemologia inteiramente nova deve surgir da teoria da cibernética e dos
sistemas, envolvendo uma nova compreensão da mente, do self, do relacionamento
humano e do poder; (2) que o alcoólatra adicto está operando, quando sóbrio, em
termos de uma epistemologia que é convencional na cultura ocidental, mas que não
é aceitável à teoria dos sistemas; (3) que a rendição à intoxicação alcoólica
provê um atalho parcial e subjetivo a um estado de mente mais correto; e (4)
que a teologia de Alcoólicos Anônimos coincide muito de perto com uma
epistemologia da cibernética.
O
ensaio presente é baseado em idéias que são, talvez todas elas, familiares
tanto aos psiquiatras que tem lidado com alcoólatras, ou por filósofos que tem
pensado sobre as implicações da cibernética e teoria de sistemas. A única
novidade que pode ser afirmada para a tese aqui oferecida deriva do tratamento
dessas idéias seriamente como premissas de argumento e juntar idéias comuns de
dois campos de pensamento bem separados.
Nessa
primeira concepção, esse ensaio foi planejado para ser um estudo
teórico-sistêmico da adicção alcoólica, na qual eu irei usar dados das
publicações de Alcoólicos Anônimos, que tem o único registro notável de
sucessos no lidar com alcoólatras. Logo se torna evidente, no entanto, que a
visão religiosa e a estrutura de organização de AA apresentam pontos de grande
interesse à teoria de sistemas, e que o escopo correto de meu estudo deveria
incluir não apenas as premissas de alcoolismo, mas também as premissas do
sistema de AA de tratá-lo e as premissas da organização de AA.
Meu
débito a AA irá evidenciar-se através dele – também, eu espero, meu respeito
por aquela organização e especialmente pela extraordinária sabedoria de seus
co-fundadores, Bill W. e Doutor Bob.
Em
adição, eu tenho que reconhecer um débito a uma pequena amostra de pacientes
alcoólatras com quem eu trabalhei intensivamente por cerca de dois anos em
1949-52, no Hospital da Administração de Veteranos, em Palo Alto, Califórnia. Esses
homens, deve ser dito, tinham outros diagnósticos – na maioria de
“esquizofrenia” – associados com as dores do alcoolismo. Vários eram membros de
AA. Eu temo que não os ajudei em nada.
O
PROBLEMA
É
aceito geralmente que “causas” ou “razões” para alcoolismo são para serem
procuradas na vida sóbria do alcoólatra. Alcoólatras, em suas manifestações
sóbrias, são comumente chamados de “imaturos”, “fixados maternalmente ou
oralmente”, “homossexuais”, “orgulhosos”, “afáveis”, ou simplesmente “fracos”.
Mas as implicações dessa crença não são examinadas comumente:
- Se a vida sóbria do
alcoólatra de alguma forma o impulsiona a beber ou propõe o primeiro passo
para a intoxicação, não é para ser esperado que qualquer procedimento que
reforce seu estilo particular de sobriedade irá reduzir ou controlar seu
alcoolismo.
- Se seu estilo de
sobriedade o impulsiona a beber, então esse estilo deve conter erro ou
patologia; e a intoxicação deve prover alguma – ao menos subjetiva –
correção desse erro. Em outras palavras, comparado com sua sobriedade, que
é de alguma forma “errada”, sua intoxicação deve de alguma forma ser
“certa”. O velho ditado in vino veritas deve conter uma
verdade mais profunda que a que lhe é usualmente atribuída.
- Uma hipótese
alternativa deverá sugerir que quando sóbrio, o alcoólatra é de alguma
forma mais são que as pessoas à sua volta, e que essa situação é
intolerável. Eu tenho ouvido alcoólatras argumentarem a favor dessa
possibilidade, mas eu devo ignorá-la nesse ensaio. Eu penso que Bernard
Smith, o representante legal não-alcoólatra de AA, chegou perto do ponto
quando ele disse “o membro (de AA) nunca foi escravizado pelo álcool. O
álcool simplesmente servia como um escape da escravização pessoal
aos ideais de uma sociedade materialista”. Não é uma questão de
revolta contra ideais insanos em torno dele, mas de escapar de suas
próprias premissas insanas, que são continuamente reforçadas pela
sociedade à sua volta. É possível, no entanto, que o alcoólatra é de
alguma forma mais vulnerável ou sensível que o normal ao fato de que suas
premissas insanas (mas convencionais) levem a resultados insatisfatórios.
- A presente teoria de
alcoolismo, portanto, irá prover um ajuste converso entre a
sobriedade e a intoxicação, de forma que a última pode ser vista como uma
correção subjetiva e apropriada da primeira.
- Há, é claro, muitas
instâncias nas quais as pessoas recorrem ao álcool e mesmo à intoxicação
extrema como um anestésico dando-lhe alívio do sentimento de perda e
ressentimento comuns ou de dor física. Pode ser argumentado que a ação
anestésica do álcool provê um ajuste converso suficiente para nossos
propósitos teóricos. Eu devo, no entanto, excluir especificamente esses
casos da consideração como sendo não relevantes ao problema do alcoólatra
repetitivo ou adictivo; e isso apesar do fato indubitável de que “luto”,
“ressentimento” e “frustração” são comumente usados por alcoólatras
adictos como desculpas para beber.
Eu
devo afirmar, portanto, um ajuste converso mais específico entre a sobriedade e
a intoxicação que a que é oferecida pela mera anestesia.
SOBRIEDADE
Os amigos e familiares do alcoólatra comumente
o incentivam a ser “forte”, e a “resistir à tentação”. O que eles querem dizer
com isso não é muito claro, mas é significante que o próprio alcoólatra –
enquanto sóbrio – comumente concorda com a visão deles sobre o “problema”. Ele
acredita que ele pode ser, ou, no mínimo, deveria ser o “capitão de sua alma”[1].
Mas é um clichê do alcoolismo que depois “daquele primeiro gole”, a motivação
de parar de beber é zero. Tipicamente a questão toda é fraseada abertamente
como uma batalha entre o “self” e o “Zé Canabrava”. Acobertadamente o alcoólatra
pode estar planejando mesmo secretamente estocar suprimento para a próxima
bebedeira, mas é quase impossível (no ambiente hospitalar) ver o alcoólatra
sóbrio planejar sua próxima bebedeira de forma aberta. Ele não pode,
aparentemente, ser o “capitão” de sua alma e abertamente desejar ou ordenar sua
própria bebedeira. O “capitão” pode apenas ordenar sobriedade – e então não ser
obedecido.
Bill W., o co-fundador de Alcoólicos Anônimos,
ele mesmo um alcoólatra, fez um corte através de toda essa mitologia do
conflito no primeiro passo dos famosos “12 Passos” de AA. O primeiro passo
determina que o alcoólatra concorde que ele é impotente perante o álcool. Esse
passo é usualmente considerado como uma “rendição” e muitos alcoólatras ou são
incapazes de alcançá-lo ou o alcançam apenas por um breve período de remorso
seguinte a uma bebedeira. AA não considera esses casos como promissores: eles
ainda não chegaram ao “fundo do poço”; seu desespero é inadequado e depois de
um tempo mais ou menos breve de sobriedade eles irão novamente tentar usar o “autocontrole”
para lutar contra a “tentação”. Eles não irão aceitar, ou não podem aceitar a
premissa que, embriagados ou sóbrios, a personalidade toda de um alcoólatra é
uma personalidade alcoólica que não pode concebivelmente lutar contra o
alcoolismo. Como um folheto de AA diz, “tentar usar a força de vontade é como
tentar levantar-se puxando os cordões dos sapatos”.
Os
primeiros dois passos de AA são os seguintes:
- Admitimos nossa
impotência perante o álcool e que perdemos o domínio de nossas vidas.
- Viemos a acreditar
que um Poder Superior a nós poderia nos devolver à sanidade.
Está
implícita na combinação desses dois passos uma extraordinária – e eu acredito
correta – idéia: a experiência da derrota não apenas serve para convencer o
alcoólatra que a mudança é necessária; é o primeiro passo para aquela mudança.
Ser derrotado pela garrafa e saber disso é a primeira “experiência espiritual”.
O mito do autopoder é, portanto, quebrado pela demonstração de um poder maior.
Em
suma, eu devo argumentar que a “sobriedade” do alcoólatra é caracterizada por
uma variação inusitadamente desastrosa do dualismo cartesiano, a divisão entre
Mente e Matéria, ou, nesse caso, entre a vontade consciente, ou “self”, e o
remanescente da personalidade. O golpe de gênio de Bill W. foi romper, com o
primeiro “passo” a estruturação desse dualismo.
Visto
filosoficamente, esse primeiro passo não é uma rendição: ele é
simplesmente uma mudança de epistemologia, uma mudança em como conhecer sobre a
personalidade-no-mundo. E, notavelmente, a mudança é de uma incorreta para uma
mais correta epistemologia.
Epistemologia e ontologia
Os filósofos têm reconhecido e separado dois tipos de
problema. Primeiro, há o problema de como as coisas são, o que é uma pessoa, e
que tipo de mundo é este. Esses são problemas da ontologia. Segundo, há os
problemas de como nós sabemos alguma coisa, ou mais especificamente, como nós
sabemos que tipo de mundo é este e que tipo de criaturas nós somos que podemos
conhecer alguma coisa (ou talvez nada) dessa questão. Esses são os problemas da
epistemologia. A essas questões,
tanto ontológicas como epistemológicas, os filósofos tentam encontrar as
respostas verdadeiras.
Mas
o naturalista, observando o comportamento humano, irá fazer perguntas um tanto
diferentes. Se ele for um relativista cultural, ele pode concordar com aqueles
filósofos que sustentam que uma ontologia “verdadeira”é concebível, mas ele não
irá perguntar se a ontologia da pessoa que ele observa é “verdadeira”. Ele irá
esperar que sua epistemologia seja culturalmente determinada ou mesmo idiossincrática,
e ele irá esperar que a cultura como um todo faça sentido em termos de sua
epistemologia e ontologia particulares.
Se,
por outro lado, é claro que a epistemologia local é errada, então o
naturalista deverá estar alerta à possibilidade de que a cultura como um todo
nunca irá realmente fazer “sentido”, ou irá fazer sentido somente sob
circunstâncias restritas, que o contacto com outras culturas e novas
tecnologias pode corromper.
Na
história natural do ser humano vivente, a ontologia e a epistemologia não podem
ser separadas. Suas (comumente inconscientes) crenças sobre que tipo de mundo
ele é irá determinar como ele o vê e age dentro dele, e suas formas de perceber
e agir irão determinar suas crenças sobre sua natureza. O homem vivente está então
ligado a uma rede de premissas epistemológicas e ontológicas que – independente
da verdade ou falsidade últimas – torna-se parcialmente autovalidadora para
ele.
É
estranho referir-se constantemente a ambas a epistemologia e ontologia e
incorreto sugerir que elas são inseparáveis na história humana natural. Parece
que não há uma palavra conveniente para cobrir a combinação desses dois
conceitos. As melhores aproximações são “estrutura cognitiva” ou “estrutura de
caráter”, mas esses termos falham em sugerir que o que é importante é um
conjunto de premissas ou assunções habituais implícitas no relacionamento entre
o homem e o ambiente, e que essas premissas podem ser verdadeiras ou falsas. E
devo, portanto, usar o termo único “epistemologia” neste ensaio para cobrir
ambos os aspectos da rede de premissas que governam a adaptação (ou má
adaptação) do humano e do ambiente físico. No vocabulário de George Kelly,
essas são as regras pelas quais um indivíduo “construe” sua experiência.
Eu
estou preocupado especialmente com aquele grupo de premissas sobre as quais o
conceito ocidental de “self” é edificado, e conversamente, quais premissas que
são corretivas a alguns dos erros ocidentais mais crassos associados com aquele
conceito.
A epistemologia da cibernética
o que é novo e
surpreendente é que nós agora temos respostas parciais a algumas dessas
questões. Nos últimos vinte e cinco anos avanços extraordinários têm sido
feitos quanto a nossos conhecimentos do tipo de coisa que o ambiente é, que
tipo de coisa um organismo é, e, especialmente, que tipo de coisa a mente
é. Esses avanços têm surgido da cibernética, da teoria dos sistemas, da
teoria da informação e ciências correlatas.
Nós
agora sabemos, com certeza considerável, que o antigo problema de se a mente é
imanente ou transcendente pode ser respondida em favor da imanência, e que essa
resposta é a mais econômica das entidades explanatórias que qualquer resposta
transcendente: ela tem ao menos o suporte negativo da Navalha de Occam.
Do
lado positivo, nós podemos asseverar que qualquer ajuntamento contínuo de
eventos e objetos que tenha a complexidade adequada de circuitos causais e a
relação de energia apropriada irá certamente mostrar características mentais.
Ela irá comparar, ou seja, será responsiva à diferença (em adição a
ser afetada pela “causa” física comum como impacto ou força). Ela irá
“processar a informação” e irá inevitavelmente ser autocorretiva seja em
direção ao ótimo homeostático ou em direção à maximização de certas variáveis.
Um
“bit”[2]
de informação é definível como uma diferença que faz uma diferença. Tal
diferença, assim que viaja e passa por transformações sucessivas em um
circuito, é uma idéia elementar.
Mas, mais relevante no presente contexto, nós sabemos que nenhuma parte de tal sistema interativo interno pode ter um controle unilateral sobre as restantes ou sobre qualquer parte. As características mentais são inerentes ou imanentes no conjunto como um todo.
Mas, mais relevante no presente contexto, nós sabemos que nenhuma parte de tal sistema interativo interno pode ter um controle unilateral sobre as restantes ou sobre qualquer parte. As características mentais são inerentes ou imanentes no conjunto como um todo.
Mesmo
em um sistema autocorretivo bem simples, esse caráter holístico é evidente. Em
um motor a vapor com um “governador”, a própria palavra “governador” não é um
nome adequado se ele for tomado pelo significado de que essa parte do sistema
tem controle unilateral. O governador é, essencialmente, um órgão sensorial ou
conversor que recebe uma transformação da diferença entre a velocidade
corrente atual do motor e alguma velocidade ideal ou preferida. Esse órgão
sensorial transforma essas diferenças em diferenças em alguma mensagem
eferente, por exemplo, ao suprimento de combustível ou a um freio. O
comportamento do governador é determinado, em outras palavras, pelo
comportamento das outras partes do sistema, e indiretamente pelo seu próprio
comportamento em um período anterior.
O caráter holístico e mental do sistema é mais claramente demonstrado por esse último fato, que o comportamento do governador (e, na verdade, de cada parte do circuito causal) é parcialmente determinado pelo seu próprio comportamento prévio. A mensagem material (isto é, transformações sucessivas de diferença) deve passar pelo circuito total, e o tempo requerido pela mensagem material para retornar ao lugar de onde partir é uma característica básica do sistema total. O comportamento do governador (ou de qualquer parte do circuito) é, assim, em algum grau determinado não apenas por seu passado imediato, mas pelo que ele fez em um tempo que precede o presente pelo intervalo necessário para a mensagem completar o circuito. Há assim um tipo de memória determinativa mesmo no mais simples circuito cibernético.
O caráter holístico e mental do sistema é mais claramente demonstrado por esse último fato, que o comportamento do governador (e, na verdade, de cada parte do circuito causal) é parcialmente determinado pelo seu próprio comportamento prévio. A mensagem material (isto é, transformações sucessivas de diferença) deve passar pelo circuito total, e o tempo requerido pela mensagem material para retornar ao lugar de onde partir é uma característica básica do sistema total. O comportamento do governador (ou de qualquer parte do circuito) é, assim, em algum grau determinado não apenas por seu passado imediato, mas pelo que ele fez em um tempo que precede o presente pelo intervalo necessário para a mensagem completar o circuito. Há assim um tipo de memória determinativa mesmo no mais simples circuito cibernético.
A
estabilidade do sistema (i.e., se ele irá agir autocorretivamente ou oscilar ou
irá disparar) depende da relação entre o produto operacional de todas as
transformações de diferença por todo o circuito e sobre seu tempo
característico. O “governador” não tem controle sobre esses fatores. Mesmo um
governador humano em um sistema social está preso por essas mesmas limitações.
Ele é controlado pela informação vinda do sistema e deve adaptar suas próprias
ações a suas características de tempo e aos efeitos de suas próprias ações
passadas.
Assim,
em nenhum sistema que mostra características mentais uma parte pode ter
controle unilateral sobre o todo. Em outras palavras, as características mentais do
sistema são imanentes, não em alguma parte, mas no sistema como um todo.
A
significância dessa conclusão aparece quando nós perguntamos “Um computador
pode pensar?” ou “a mente está no cérebro?”. E a resposta a ambas as questões
irá ser negativa a não ser que a questão seja focada sobre uma das poucas características
mentais que estão contidas dentro do computador ou do cérebro. Um computador é
autocorretivo em relação a algumas de suas variáveis internas. Ele pode, por
exemplo, incluir termômetros ou outros órgãos sensoriais que são afetados pelas
diferenças de temperaturas funcionais, e a resposta do órgão sensorial a essas
diferenças podem afetar a ação de um ventilador que em retorno corrige a
temperatura. Mas será incorreto dizer que o negócio principal do computador – a
transformação de diferenças de entrada (input) em diferenças de saída (output)
– seja um “processo mental”. O computador é apenas um elo de um circuito mais
amplo que sempre inclui um homem e um ambiente dos quais a informação é
recebida e sobre os quais as mensagens eferentes do computador têm efeito. Desse
sistema total, ou conjunto, pode-se dizer legitimamente que mostra
características mentais. Ele opera via ensaio e erro e tem um caráter criativo.
Similarmente,
nós podemos dizer que “mente” é imanente a esses circuitos do cérebro que são
completos dentro do cérebro. Ou que a mente é imanente em circuitos que são
completos dentro do sistema, cérebro mais corpo. Ou, finalmente, que mente é
imanente em sistemas mais amplos – homem mais ambiente.
Em
princípio, se nós desejamos explicar ou entender o aspecto mental de qualquer
evento biológico, nós devemos levar em conta o sistema, - ou seja, a rede de
circuitos fechados, dentro dos quais aquele evento biológico é
determinado. Mas quando nós procuramos explicar o comportamento de um homem ou
algum outro organismo, esse “sistema” irá usualmente não ter os mesmos limites
como o “self” – como esse termos é comumente (e variavelmente) entendido.
Considere
um homem derrubando uma árvore com um machado. Cada batida do machado é
modificada ou corrigida, de acordo com a forma do corte deixado pela machadada
anterior. Esse processo autocorretivo (isto é, mental) é produzido por um
sistema total, árvore-olhos-cérebro-músculos-machado-machadada-árvore; e é esse
sistema total que tem as características da mente imanente.
Mais
corretamente, nós devemos falar da matéria dessa forma: (diferenças na árvore)
– (diferenças na retina) – ( diferenças no cérebro) – ( diferenças nos
músculos) – (diferenças no movimento do machado) – (diferenças na árvore), etc.
O que é transmitido através do circuito são transformações de diferenças. E,
como notado acima, uma diferença que faz uma diferença é uma idéia
ou unidade de informação.
Mas
isso não
é como o ocidental médio vê a seqüência do evento da derrubada da árvore. Ele
diz, “eu cortei a árvore” e ele acredita mesmo que há um agente
delimitado, o “self” que executou uma ação “proposital” delimitada sobre um
objeto delimitado.
É
também correto dizer que “ a bola de bilhar A bateu na bola de bilhar B e a enviou
à caçapa”; e talvez será bem correto (se nós pudermos fazer isso) dar uma
descrição completa e científica dos eventos todos através do circuito contendo
o homem e a árvore. Mas o discurso popular inclui mente em suas
manifestações invocando o pronome pessoal, e então alcançar uma mistura de
mentalismo e fisicalismo por restringir a mente dentro do homem e reificando a
árvore. Finalmente a mente em si se torna reificada pela noção de que, desde
que o “self” agiu sobre o machado que agiu cobre a árvore, o “self” deve ser
também uma “coisa”. O paralelismo de sintaxe entre “eu bati na bola de
bilhar” e “a bola bateu em outra bola” é totalmente enganosa.
Se
você perguntar a alguém sobre a localização e fronteiras do self, essas
confusões serão imediatamente demonstradas. Ou considere um homem cego com uma
bengala. Onde é que começa o self do homem cego? Na ponta da bengala? Em seu
cabo? Ou em algum ponto no meio da bengala? Essas questões não têm sentido,
porque a bengala é um meio ao longo do qual as diferenças são transmitidas sob
transformação, de forma que traçar uma linha delimitadora que cruze
esse meio é cortar fora uma parte de um circuito sistêmico que
determina a locomoção do homem cego.
Similarmente,
esses órgãos sensoriais são conversores ou caminhos para a informação, assim
também como os axônios, etc. De um ponto de vista teórico-sistêmico, é uma
metáfora enganosa dizer que o que viaja em um axônio é um “impulso”. Seria mais
correto dizer que o que viaja é uma diferença, ou a transformação de uma
diferença. A metáfora do “impulso” sugere uma linha de pensamento de ciência
rígida que irá ramificar muito facilmente em algo sem sentido sobre “energia
psíquica”, e aqueles que falam esse tipo de coisa sem sentido irão
desconsiderar o conteúdo informativo da quiescência. A quiescência de um axônio
difere
tanto da atividade como sua atividade da quiescência. Portanto, a
quiescência e a atividade têm relevância informacional igual. A mensagem da
atividade pode apenas ser aceita como válida se a mensagem da quiescência
também puder ser confiável.
É
até mesmo incorreto falar da “mensagem da atividade” e da “mensagem da
quiescência”. O fato de que a informação é uma transformação da diferença deve
ser sempre lembrado, e nós faremos melhor em chamar uma de mensagem
“atividade-não quiescente” e a outra “quiescência-não atividade”.
Considerações
similares aplicam-se ao alcoólatra arrependido. Ele não pode simplesmente
eleger a “sobriedade”. No melhor ele pode apenas eleger a “sobriedade-não
embriaguez”, e seu universo permanece polarizado, carregando ambas as
alternativas.
A
unidade total autocorretiva que processa a informação, ou, como eu disse,
“pensa” e “age” e “decide”, é um sistema cujas fronteiras de forma
nenhuma coincidem com as fronteiras sejam do corpo ou do que é popularmente
chamado de “self” ou “consciência”; e é importante notar que há diferenças múltiplas
entre o sistema pensante e o “self” como concebido popularmente”“:
- O sistema não é uma
entidade transcendente como o “self” é suposto ser comumente.
- As idéias são
imanentes em uma rede de trilhas causais ao longo das quais as
transformações da diferença são conduzidas. As “idéias” do sistema são em todos os casos pelo menos
binárias em estrutura. Elas não são “impulsos” mas “informação”.
- Essa rede de trilhas
não está ligada com a consciência mas estende-se para incluir as trilhas
de todas as atividades mentais – tanto autonômicas e reprimidas, neurais e
hormonais.
- A rede não está
ligada pela pele, mas inclui todas as trilhas externas álcool longo das
quais a informação pode trafegar. Também inclui aquelas diferenças efetivas
que são imanentes nos “objetos” de tais informações. Inclui as trilhas do
som e luz ao longo das quais trafegam as transformações das diferenças
originalmente imanentes em coisas e outras pessoas – e especialmente em
nossas próprias ações.
É
importante notar que os princípios básicos – e eu creio que errados – da
epistemologia popular são mutuamente reforçadores. Se, por exemplo, a premissa
popular da transcendência é descartada, a substituta imediata é uma premissa de
imanência no corpo. Mas essa alternativa será inaceitável porque grandes partes
da rede pensante são localizadas fora do corpo. O assim chamado problema
“Corpo-Mente” é erradamente posicionado em termos que forçam o argumento em
direção a um paradoxo: se a mente é suposta como imanente ao corpo, então ela
deve ser transcendente. Se transcendente, ela deve ser imanente, e assim por
diante.
Similarmente,
se nós excluirmos os processos inconscientes do “self” e os chamados de “ego-alienados”,
então esses processos tomam a coloração subjetiva dos “impulsos” e “forças”; e
essa qualidade pseudodinâmica é então estendida ao “self” consciente com a
tentativa de “resistir” às “forças” do inconsciente. O “self” portanto se torna
em si uma organização de “forças” aparentes. A noção popular que irá igualar o
“self” com o consciente então conduz à noção de que idéias são “forças”; e essa
falácia é em retorno suportada pela afirmação de que o axônio carrega “impulsos”.
Não é fácil achar uma saída dessa confusão.
Nós
devemos prosseguir examinando primeiro a estrutura da polarização alcoólica. Na
resolução epistemologicamente não válida “eu irei lutar contra a garrafa”, o
que é supostamente alinhado contra que?
o “orgulho” alcoólico
Alcoólatras
são filósofos naquele sentido universal no qual todos os seres humanos (e todos
os mamíferos) são guiados por princípios altamente abstratos de que eles são
tão completamente inconscientes como inadvertidos de que o princípio governante
de sua percepção e ação é filosófico. Um nome comumente inadequado para tais
princípios é “sentimentos”.
Essa
má nomeação surge naturalmente da tendência epistemológica Anglo-saxônica de
reificar ou atribuir ao corpo todos os fenômenos mentais que são periféricos à
consciência. E a má nomeação é, sem dúvida, suportada pelo fato de que o
exercício e/ou frustração desses princípios é freqüentemente acompanhado por
sensações viscerais e outras sensações físicas. Eu creio, no entanto que Pascal
estava correto quando disse: “o coração têm razões que a própria
razão desconhece”.
Mas
o leitor não deve esperar que o alcoólatra apresente uma imagem consistente.
Quando a epistemologia subjacente é cheia de erros, as derivações dela são
inevitavelmente ou autocontraditórias ou extremamente restritas em seu escopo. Um
corpo coerente de teoremas não pode ser derivado de um corpo inconsistente de
axiomas. Em tais casos, a tentativa de ser consistente leva tanto a uma maior
proliferação da complexidade característica da teoria psicanalítica e da
teologia crista ou à visão extremamente estreita característica do behaviorismo
contemporâneo.
Portanto,
eu devo prosseguir a examinar o “orgulho” que é característica dos alcoólatras
que mostra que esse princípio de seus comportamentos é derivado da estranha
epistemologia dualística característica da civilização ocidental.
Um
modo conveniente de descrever tais princípios como “orgulho”, “dependência”,
“fatalismo”, e assim adiante, é examinar o princípio como se fosse um resultado
de um deutero-aprendizado [3]
e perguntar que contextos de aprendizado podem compreensivelmente inculcar esse
princípio.
- Está claro que o
princípio da vida alcoólica que AA chama de “orgulho” não é estruturado
contextualmente em sucessos passados. Eles não usam a palavra para
significar orgulho por alguma coisa alcançada. A ênfase não é sobre “eu
consegui”, mas antes sobre “Eu posso...” É uma aceitação obsessiva de um
desafio, um repúdio à proposição “eu não posso”.
- Depois que o alcoólatra
começou a sofrer de - ou ser acusado de - alcoolismo, esse princípio de
“orgulho” é mobilizado para trás da proposição “Eu posso permanecer
sóbrio”. Mas, notavelmente, alcançar esse sucesso destrói o “desafio”. O
alcoólatra torna-se presunçoso, com AA diz. Ele relaxa sua determinação,
arrisca um gole, e descobre-se numa bebedeira. Nós podemos dizer que a
estrutura contextual da sobriedade muda com esse resultado. Sobriedade,
nesse ponto, não é mais um contexto apropriado para “orgulho”. É o risco
do primeiro gole que agora é desafiador e apela para o fatal “eu posso...”.
- AA faz o seu melhor
em insistir que essa mudança na estrutura contextual nunca deve ocorrer.
Eles reestruturam o contexto todo por asseverar vez após vez que “uma
vez alcoólatra sempre um alcoólatra”. Eles tentam fazer o
alcoólatra colocar o alcoolismo dentro de si, muito do que um analista
jungiano tenta fazer com seu paciente, em descobrir seu “tipo psicológico”
e aprender a viver com as forças e as fraquezas daquele tipo. Em contraste,
a estrutura contextual do “orgulho” alcoólico colocar o alcoolismo fora
do self: “Eu posso resistir ao beber”.
4.
O componente do
desafio do “orgulho” alcoólico é ligado com o correr riscos. O
princípio pode ser dito assim: “eu posso fazer alguma coisa onde o sucesso é
improvável e a falha será desastrosa”. Claramente, esse princípio nunca servirá
para manter a sobriedade. Assim que o sucesso começa a parecer provável, o
alcoólatra deve desafiar o risco de um drinque. O elemento de “má sorte” ou
“probabilidade” da falha coloca o desafio para além dos limites do self. “Se a
falha ocorre, ela não é minha”. O “orgulho” alcoólico
estreita progressivamente o conceito de “self” colocando o que acontece fora de
seu escopo.
5.
O princípio do
orgulho-no-risco é finalmente quase suicida. Está tudo bem testar uma vez se o
universo está do nosso lado, mas fazer isso vez após vez, com aumento da
estringência da prova, é dar início a um projeto que pode apenas provar que o
universo o odeia. Mas, ainda assim, as narrativas de AA mostram repetidamente
que, no fim do desespero, alguma coisa previne o suicídio. O silêncio final não
deve ser trazido pelo “self”.
ORGULHO
E SIMETRIA
O assim chamado orgulho do alcoólatra sempre
presume um “outro” real ou fictício, e sua definição contextual completa,
portanto, exige que nós caracterizemos o relacionamento real ou imaginário com
esse “outro”. Um primeiro passo para essa tarefa é classificar como ou
“simétrica” ou “complementar”. Fazer isso não é tão simples quando o “outro” é uma
criação do inconsciente, mas nós devemos ver que as indicações para tal
classificação são claras.
Uma
digressão explanatória é, no entanto, necessária. O primeiro critério é
simples:
Se,
em uma relação binária, os comportamentos de A e B são considerados (por A e B)
como similares
e são ligado de forma que quanto mais de um dado comportamento por A
estimula mais dele em B, e vice versa, então o relacionamento é “simétrico” em
relação a esses comportamentos.
Se,
contrariamente, os comportamentos de A e B são dissimilares, mas
mutuamente se ajustam (como, por exemplo, o voyeurismo se ajusta ao
exibicionismo), e os comportamentos estão conectados de forma a que quanto mais
comportamento de B estimular mais do comportamento ajustado de B, então o relacionamento
é “complementar” em relação a esses comportamentos.
Exemplos
comuns de relacionamentos simétricos simples são as corridas armamentistas,
igualar-se aos vizinhos, emulação atlética, lutas de boxe, e parecidos.
Exemplos comuns de relacionamentos de complementaridade são a
dominação-submissão, sado-masoquismo, nutrição-dependência,
voyeurismo-exibicionismo, e parecidos.
Considerações
mais complexas surgem quando tipos lógicos superiores estão presentes. Por
exemplo: A e B podem competir em doações, sobrepondo assim uma moldura
simétrica maior sobre comportamentos complementares primários. Ou,
contrariamente, um terapeuta pode engajar-se em competição com um paciente em
alguma forma de jogo terapêutico, estabelecendo uma moldura nutriente complementar
em torno das transações simétricas primárias do jogo.
Vários
tipos de “duplo vínculo” são gerados quando A e B percebem as premissas de seu
relacionamento em termos diferentes – A por considerar o comportamento de B
como competitivo quando B pensa que está ajudando A. E assim por diante.
Nós
não estamos preocupados com essas complexidades, porque o “outro” imaginário ou
sua contraparte no “orgulho” do alcoólatra não joga, eu creio, os jogos
complexos que são características das “vozes” do esquizofrênico.
Ambos
os relacionamentos complementares e simétricos são susceptíveis de mudanças
progressivas do tipo que eu chamei de “esquimogênese”. Lutas simétricas e
corridas armamentistas podem, na frase corrente, “escalar”; e o padrão normal
de socorro-dependência entre pais e filhos pode se tornar monstruoso. Esses
desenvolvimentos potencialmente patológicos são devidos a retro-alimentações
positivas sem controle e sem correção dentro do sistema, e podem – como
afirmado – ocorrer em sistemas tanto complementares como simétricos. No
entanto, em sistemas mistos a esquimogênese é reduzida
necessariamente. A corrida armamentista entre duas nações será reduzida pela
aceitação de temas complementares como dominação, dependência, admiração, e
assim por diante, entre elas. Ela aumentará pelo repúdio desses temas.
Esse
relacionamento antitético entre temas complementares e simétricos é, sem
dúvida, devido ao fato que cada é o oposto lógico do outro. Em uma corrida
armamentista meramente simétrica, a nação A é motivada a maiores esforços pela
sua estimativa da força maior d B. Quando ela estima que B é mais fraca, a nação
A relaxará seus esforços. Mas o oposto exato irá acontecer se a estruturação do
relacionamento por A for complementar. Observando que B é mais fraca que ela, A irá
adiante com esperanças de conquista.
Essa
antítese entre padrões complementares e simétricos pode ser mais que
simplesmente lógica. Notavelmente, na teoria psicanalítica, os padrões que são
chamados “libidinosos” e que são modalidades das zonas erógenas são todas complementares.
Intrusão, inclusão, exclusão, recepção, retenção, e semelhantes – todas essas
são classificadas como “libidinosas”. Já a rivalidade, competição e semelhantes
caem sob a rubrica de “ego” e “defesa”.
É
possível também que os dois códigos antitéticos – simétrico e complementar –
possam ser fisiologicamente representados pelos estados contrastantes do
sistema nervoso central. As progressivas mudanças da esquimogênese podem
alcançar descontinuidades climáticas e reversões repentinas. Ódio simétrico
pode repentinamente mudar para luto; o animal que se retira com o rabo entre as
pernas pode repentinamente voltar-se contra seu oponente em uma desesperada
batalha simétrica até a morte. O arruaceiro pode repentinamente tornar-se um
covarde quando é desafiado, e o lobo que é derrotado em um conflito simétrico
pode repentinamente dar sinais de “rendição” que evitam mais ataques.
O
último exemplo é de interesse especial. Se a luta entre os lobos é simétrica –
ou seja, se o lobo A é estimulado a um comportamento ais agressivo pelo
comportamento agressivo do lobo B – então se B repentinamente exibe o que nós
podemos chamar de “agressão negativa”, A não será capaz de continuar a lutar
até que ele possa mudar rapidamente para um estado mental complementar no qual
a fraqueza de B irá estimular sua agressão. Dentro da hipótese de modos
simétricos e complementares, torna-se desnecessário postular um efeito
“inibitório” específico para o sinal de rendição.
Seres
humanos que possuem linguagem podem aplicar o rótulo “agressão” a todas as
tentativas de danificar o outro, sem considerar se a tentativa é estimulada
pela fraqueza ou fortaleza do outro; mas ao nível pré-lingüistico dos mamíferos
esses dois tipos de “agressão” devem aparecer totalmente diferentes. Dizem-nos
que do ponto de vista do leão, um “ataque” a uma zebra é totalmente diferente
de um “ataque” a outro leão.
Já
foi dito o suficiente agora para que a pergunta possa ser feita: O orgulho
alcoólico é contextualmente estruturado em forma simétrica ou complementar?
Primeiro,
há uma forte tendência em direção à simetria nos hábitos normais da cultura
ocidental. Completamente à parte do alcoolismo adictivo, dois homens bebendo
juntos são impelidos pela convenção a igualar um ao outro, bebida por bebida.
Nesse estágio, o “outro” é ainda real e a simetria, ou rivalidade, entre o par
é amigável.
À
medida que o alcoólatra se torna adicto e tenta resistir ao beber, ele começa a
descobrir que é difícil resistir ao contexto social no qual ele deve igualar-se
a seus amigos em seu beber. AA diz, “Deus sabe, nós tentamos duramente e por
muito tempo beber como as outras pessoas!”.
À
medida que as coisas ficam piores, o alcoólatra provavelmente se tornará um
bebedor solitário e a demonstrar um amplo espectro de respostas ao desafio. Sua
esposa e amigos começam a sugerir que seu beber é uma fraqueza, e ele pode
responder, com simetria, tanto por ressentir-se deles como por asseverar sua
força em resistir à garrafa. Mas, como é característica das respostas
simétricas, um breve momento de luta bem sucedida enfraquece sua motivação e
ele volta a beber. Esforços simétricos requerem contínua oposição do oponente.
Gradualmente
o foco da batalha muda, e o alcoólatra se descobre obrigado a um novo e mais
fatal tipo de conflito simétrico. Ele agora deve provar que a garrafa não pode
matá-lo. Sua “cabeça está sangrando, mas não curvada”. Ele ainda é o “capitão
de sua alma” - seja lá o que signifique.
Enquanto
isso, seu relacionamento com a esposa, o chefe e os amigos foi se deteriorando.
Ele nunca considerou o status complementar de seu chefe como uma autoridade; e
agora que ele deteriora sua mulher é forçada mais e mais a assumir um papel
complementar. Ela pode tentar exercer autoridade, ou ela se torna protetora, ou
ela mostra paciência, mas tudo isso provoca ou ódio ou vergonha. Seu “orgulho”
simétrico não pode tolerar um papel complementar.
Em
suma, o relacionamento entre o alcoólatra e seu “outro” fictício ou real é
claramente simétrico e claramente esquimogênico. Ele escala. Nós veremos que a
conversão religiosa do alcoólatra quando salvo por AA pode ser descrito como
uma mudança dramática desse hábito simétrico, ou epistemologia, para uma visão
quase puramente complementar de seu relacionamento com outros, com o universo e
com Deus.
Orgulho ou prova invertida?
Alcoólatras
podem parecer cabeças-duras, mas eles não são estúpidos. A parte de sua mente
onde seus princípios são decididos certamente jaz muito profundamente para que
a palavra “estupidez” possa ser aplicada. Esses níveis da mente são
pré-lingüísticos e a computação que acontece ali é codificada em processo
primário.
Tanto
em sonho como em interação entre mamíferos, o único meio de conseguir uma
proposição que contenha sua própria negação (“eu não vou morder você” ou “eu
não estou com medo dele”) é por uma imaginação elaborada ou a atuação (acting
out) da proposição a ser negada, conduzindo a um reductio ad absurdum. “Eu
não vou mordê-lo” é alcançado entre dois mamíferos por um combate experimental
que é um “não combate”, algumas vezes chamado “jogo”. É por essa razão que o
comportamento “agonístico” comumente evolui para um cumprimento amistoso.
Nesse
sentido, o assim chamado orgulho do alcoólatra é irônico em algum grau. É um
esforço determinado para testa alguma coisa como “autocontrole” com um
propósito ulterior, mas sem poder ser expresso de provar que “autocontrole” é
não efetivo e absurdo. “Isso simplesmente não funciona”. Essa proposição
última, desde que contenha uma simples negação, não é para ser expressa no
processo primário. Sua expressão final é em uma ação – o tomar um drinque. A
heróica batalha com a garrafa, aquele “outro” fictício, termina em um “beijo e
ficamos amigos”.
A
favor dessa hipótese, há o fato indubitável de que o teste do autocontrole leva
de volta ao beber. E, como eu argumentei acima, toda a epistemologia do
autocontrole que seus amigos impõe sobre o alcoólatra é monstruosa. Se isso for
verdade, então o alcoólatra está correto em rejeitá-la. Ele terá chegado à reductio
ad absurdum da epistemologia convencional.
Mas
essa descrição do alcance do reductio ad absurdum inclina-se em
direção à teleologia [4]. Se a
proposição “isso não vai funcionar” não puder ser mantida dentro da codificação
do processo primário, como então a computação do processo primário poderá
direcionar o organismo a tentar aqueles cursos de ação que irão demonstrar que
“isso não irá funcionar?”.
Problemas
desse tipo geral são freqüentes na psiquiatria e talvez só possam ser
resolvidos por um modelo no qual, sob certas circunstancias, o desconforto do
organismo ative uma retro-alimentação positiva sobreposta para aumentar
o comportamento que precede o desconforto. Tal retro-alimentação positiva irá
prover uma verificação que era realmente aquele comportamento particular que
trouxe o desconforto, e pode aumentar o desconforto a um nível no qual a
mudança se tornará possível.
Em
psicoterapia tal retro-alimentação positiva sobreposta é comumente gerada pelo
terapeuta que empurra o paciente na direção de seus sintomas – uma técnica que
tem sido chamada de “duplo vínculo terapêutico”. Um exemplo dessa técnica é
mencionado mais tarde nesse ensaio, onde um membro de AA desafia o alcoólatra a
ir e “beber controladamente” a fim de que ele descubra por si mesmo que ele não
tem controle.
É
também usual que os sintomas e alucinações do esquizofrênico – como sonhos –
constituem uma experiência corretiva, de forma que todo o episódio
esquizofrênico tome o caráter de uma auto-iniciação.
Será
percebido que a possível existência de tal retro-alimentação positiva sobreposta,
que irá causar uma perda de controle na direção de um aumento do desconforto
até algum limite (que pode estar do outro lado da morte), não é incluído nas
teorias convencionais do aprendizado. Mas uma tendência a verificar o
desagradável por procurar repetir a experiência do desagradável é um traço
comum ao homem. É talvez o que Freud chamou de “instinto de morte”.
O estado da embriaguez
O
que tem sido dito acima sobre a esteira rolante do orgulho simétrico é apenas
uma metade do quadro. É o quadro do estado de mente do alcoólatra batalhando
com a garrafa. Claramente este estado é muito desagradável e também é
claramente irrealista. Seus “outros” são também totalmente imaginários ou são
distorções grosseiras de pessoas das quais ele é dependente e a quem pode amar.
Ele tem uma alternativa a este estado desconfortável – ele pode embriagar-se.
Ou, “pelo
menos”, tomar um drinque.
Com
essa rendição complementar, que o alcoólatra freqüentemente verá como um ato
ofensivo - ou um tiro parciano em
uma guerra simétrica (ele entrega-se mas atirando) – sua epistemologia toda
muda. Suas ansiedades, ressentimentos e pânico desaparecem como por mágica. Seu
autocontrole é relaxado, mas sua necessidade de comparar-se com outros é
reduzida mais ainda. Ele sente o calor fisiológico do álcool em suas veias e,
em muitos casos, um aquecimento psicológico correspondente em relação ao
outros. Ele pode estar eufórico ou raivoso, mas ele ao menos se tornou
novamente uma parte da cena humana.
Dados
diretos baseados na tese de que a passagem da sobriedade para a intoxicação é
também uma passagem do desafio simétrico para a complementaridade são escassos,
e sempre confundidos tanto pelas distorções da memória e pela toxicidade
complexa do álcool. Mas há fortes evidências da música e da história que
indicam que a passagem é desse tipo. Em rituais, a participação do vinho sempre
é tomada como agregação social de pessoas unidas em “comunhão” religiosa ou em
reuniões seculares. Em um senso bastante literal, o álcool supostamente faz com
que o indivíduo veja-se como e age como uma parte do grupo. Ou seja,
habilita a complementaridade nos relacionamentos que o cercam.
Atingindo o fundo do poço
AA dá grande
importância a esse fenômeno e considera que o alcoólatra que não atingiu o
fundo do poço um pobre candidato para sua ajuda. Contrariamente, eles estão
inclinados a explicar sua falha por dizer que o indivíduo que volta ao seu
alcoolismo não atingiu o “fundo do poço” ainda.
Certamente
muitos tipos de desastre podem causar que um alcoólatra atinja o fundo do poço.
Vários tipos de acidente, um ataque de delirium tremens, um período de tempo
alcoolizado do qual ele não se lembra, rejeição pela esposa, perda do trabalho,
diagnose de um caso perdido e assim por diante – qualquer um desses pode ter o
efeito requerido. AA diz que o “fundo” é diferente para diferentes pessoas e
alguns podem morrer antes de alcançá-lo.
É
possível, no entanto, que o “fundo” seja alcançado muitas vezes por uma dada
pessoa; que o “fundo” é um surto de pânico que era um momento favorável a
mudanças, mas não um momento no qual a mudança é inevitável. Amigos e parentes
e mesmo terapeutas podem empurrar o alcoólatra para fora de seu pânico, seja
com drogas ou com reafirmação, de modo que ele “se recupera” e retorna para seu
“orgulho” e alcoolismo – somente para atingir um “fundo” mais desastroso algum
tempo depois, quando ele irá novamente estar pronto para uma mudança. As
tentativas de mudar um alcoólatra em um período entre tais momentos de
pânico estão fadados a não dar certo.
A
natureza do pânico é clarificada pela seguinte descrição de um “teste”:
Nós não gostamos de pronunciar qualquer pessoa como
alcoólatra, mas você pode rapidamente diagnosticar você mesmo. Entre no próximo
bar e tente algum beber controlado. Tente beber e parar de repente. Tente mais
de uma vez. Não levará muito tempo para você se decidir, se for honesto sobre
si mesmo. Pode ser valiosa uma ressaca grave se você conseguir um pleno
conhecimento de sua condição.
Nós
podemos comparar o teste citado acima ao ordenar um motorista que breque
repentinamente em uma pista escorregadia: ele descobrirá rapidamente que seu
controle é limitado.
O
pânico do alcoólatra que atinge o fundo do poço é o pânico de um homem que
pensa ter controle sobre seu veículo mas repentinamente descobre que o veículo
perde o controle com ele. Repentinamente, a pressão sobre o que ele conhece
como breque parece fazer o veículo seguir mais rápido. É o pânico de descobrir
que ele
(o sistema, ele mais o veículo) é maior que ele é.
Em
termos da teoria apresentada aqui, nós podemos dizer que atingir o fundo do
poço exemplifica a teoria de sistemas em três níveis:
- O alcoólatra
trabalha nos desconfortos da sobriedade a um ponto limite no qual ele
arruinou a epistemologia do “autocontrole”. Ele, então, fica embriagado –
porque o sistema é maior que ele – e ele pode muito bem se render a ele.
- Ele trabalha
repetidamente em tornar-se embriagado até que prove que ele é um sistema
ainda maior. Ele então encontra o pânico do “fundo de poço”.
- Se amigos e
terapeutas o reafirmarem, ele pode chegar a um ajustamento ainda mais
instável – tornando-se adicto à sua ajuda – até que ele demonstre que seu
sistema não funcionará, e atinja o “fundo de poço” novamente, mas em um
nível mais baixo. Nisso, como em todos os sistemas cibernéticos, o sinal
(mais ou menos) do efeito de qualquer intrusão sobre o sistema depende do
tempo adequado (timing).
- Finalmente, o
fenômeno de atingir o “fundo do poço” é complexamente relacionado à
experiência do duplo vínculo. Bill W. narra que ele atingiu seu fundo de
poço quando foi diagnosticado como um alcoólatra sem esperança pelo Dr.
Willian D. Silkwork em 1939, e esse evento é considerado como o início da
história de AA. O Dr. Silkwork também “nos supriu as ferramentas que vão
furar o ego alcoólico mais duro, aquelas frases demolidoras pelas quais
ele descreveu a nossa doença: a obsessão da mente que
compele-nos a beber e a alergia do corpo que nos
condena a ficarmos loucos ou morrer.” Esse é o duplo vínculo corretamente
fundado cobre a epistemologia dicotômica do alcoólatra da mente versus
corpo. Ele é forçado por essas palavras para trás e para trás até o ponto
no qual somente uma mudança involuntária na epistemologia inconsciente
profunda – uma experiência espiritual – irá tornar irrelevante aquela
descrição letal.
A teologia de Alcoólicos Anônimos.
Alguns
dos pontos notáveis da teologia de AA são:
- Há um
Poder maior que o self. A
cibernética vai um pouco além e reconhece que o “self” como comumente
entendido é apenas uma pequena parte de um sistema de ensaio-e-erro muito
maior que faz o pensamento, a ação e a decisão. Esse sistema inclui todas
as trilhas informacionais que são relevantes em um dado momento em uma
dada decisão. O “self” é uma
reificação falsa de uma parte delimitada impropriamente desse campo mais
amplo de processos que se interconectam. A cibernética também reconhece
que duas ou mais pessoas – qualquer grupo de pessoas – podem juntas forma
tal sistema pensante-agente.
- Esse Poder é sentido
como sendo pessoal e sendo intimamente ligado com cada pessoa. É “Deus
como você o concebe”. Ciberneticamente falando, “minha” relação
com qualquer sistema mais amplo à minha volta e incluindo outras coisas e
pessoas será diferente de “sua” relação a algum sistema similar em torno
de você. A relação “parte de” deve necessariamente e logicamente ser
sempre complementar, mas o sentido da frase “parte de” será diferente para
cada pessoa.[5] Essa
diferença será especialmente importante em sistemas contendo mais que uma
pessoa. O sistema ou “poder” deve necessariamente parecer diferente a
partir de onde cada pessoa está. Além disso, é esperado que tais sistemas,
quando eles encontram mutuamente, irão reconhecer um ao outro como
sistemas nesse sentido. A “beleza” da floresta através da qual eu ando é
meu reconhecimento tanto das árvores individuais como da ecologia total
das florestas como sistemas. Um reconhecimento
estético similar é ainda mais notório quando eu ando com outra pessoa.
- Um relacionamento
favorável com este Poder é descoberto pelo atingir o “fundo do poço” e
pela “rendição”.
- Por resistir a esse
Poder, homens e especialmente os alcoólatras trazem desastre sobre si mesmos.
A filosofia materialista que vê o “homem” como posto a lutar contra seu
ambiente está se desmoronando rapidamente à medida que o homem tecnológico
se torna mais e mais capaz de opor-se a sistemas mais amplos. Cada batalha
que ele ganha traz uma ameaça de desastre. A unidade de sobrevivência –
seja na ética como na evolução – não é o organismo ou a espécie, mas o
sistema mais amplo ou “poder” dentro do qual a criatura vive. Se a
criatura destrói esse ambiente, ela destrói a si mesma.
- Mas – e isso é importante
– o Poder não recompensa nem pune. Ele não tem “poder” nesse sentido. Na
frase bíblica, “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que conhecem
a Deus”. E, contrariamente, àqueles que não o conhecem. A idéia de um
poder no sentido de um controle unilateral é estranha a AA. Sua
organização é estritamente “democrática” (sua palavra), e mesmo sua
divindade é ainda ligada por aquilo que podemos chamar de um determinismo
sistêmico. A mesma limitação se aplica tanto ao relacionamento entre o
padrinho de AA e o bêbado a quem ele espera ajudar e ao relacionamento
entre o escritório central de AA e cada grupo local.
- Os dois primeiros
passos de Alcoólicos Anônimos. Tomados juntos identificam a adicção como
uma manifestação desse Poder.
- A relação saudável
entre cada pessoa e seu Poder é complementar. Está em contraste preciso ao
“orgulho” do alcoólatra, que é baseado em um relacionamento simétrico a um
“outro” imaginado. A esquimogênese é sempre mais poderosa que os
participantes nela.
- A qualidade e o conteúdo
da relação de cada pessoa ao Poder são indicadas ou refletidas na
estrutura social de AA. O aspecto secular desse sistema – sua governança -
e delineada nas “Doze Tradições” que suplementam os “Doze Passos”, esses
últimos desenvolvendo o relacionamento do homem com o Poder. Os dois
documentos sobrepõem-se no Décimo Segundo Passo, que afirma a ajuda a
outros alcoólatras como um exercício espiritual necessário, sem o qual o
membro é passível de recaída. O sistema todo é uma religião Durkheimiana
no sentido que a relação entre o homem e sua comunidade; e paralela ao
relacionamento entre homem e Deus. “AA é um Poder superior a todos nós”.
Em suma, o relacionamento de cada indivíduo com o “Poder” é melhor definido nas palavras”é parte de”.
- Anonimato. É preciso
entendem que anonimato significa muito mais no pensamento e na teologia de
AA que a mera proteção de seus membros à exposição e vergonha. Com a
crescente fama e sucesso da organização como um todo, tornou-se uma
tentação para os membros usarem o fato de sua filiação como um recurso
positivo em relacionamentos públicos, na política, educação e muitos
outros campos. Bill. W., o co-fundador da organização, percebeu-se
envolvido por essa tentação nos primeiros dias e discutiu essa questão em
um artigo publicado. Ele viu primeiro que qualquer procura dos holofotes
deve ser um perigo pessoal e espiritual ao membro, que não pode
sujeitar-se a tal autopromoção; e além disso que será fatal para a
organização como um todo tornar-se envolvido em política, controvérsias religiosas
e reformas sociais. Ele afirma claramente que os erros do alcoólatra são
os mesmos que as “forcas que hoje estão rasgando o mundo completamente”,
mas não é a proposta de AA salvar o mundo. Seu propósito único é “levar a
mensagem de AA ao doente alcoólatra que a desejar”. Ele conclui que o
anonimato é “o maior símbolo de auto-sacrifício que conhecemos”. Em outro
lugar a décima segunda das “Doze Tradições” afirma que “o anonimato é a
fundação espiritual de nossas tradições, sempre nos lembrando a colocar os
princípios antes das personalidades”.
A isso podemos acrescentar que o anonimato é também uma afirmação profunda da relação sistêmica, da parte para o todo. Alguns teóricos sistêmicos irão bem mais adiante, porque uma tentação maior para a teoria dos sistemas jaz na reificação de conceitos teóricos. Anatol Holt diz que ele queria um adesivo para colar em pára-choques que dissesse (paradoxalmente); “pise nos nomes”.
- Oração. O uso da oração por AA
similarmente afirma a complementaridade do relacionamento parte-todo pela técnica
bem simples de pedir por aquele relacionamento. Eles pedem por aquelas
características pessoais, como a humildade, que é de fato exercida no
próprio ato de orar. Se o ato da oração for sincero (o que não é tão
fácil), Deus nada pode fazer a não ser atender o pedido. E isso é
peculiarmente verdade de “Deus, conforme você o concebe”. Essa
tautologia auto-afirmativa, que contém sua própria beleza, é precisamente
o bálsamo requerido depois das angustias dos duplos vínculos que chegaram
com o fundo de poço.
De um modo mais complexo é a famosa “Oração da Serenidade”: “Concedei-me, Senhor, a serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para discernir a diferença”.
Se os duplos vínculos causam angústia e desespero e destroem as premissas epistemológicas pessoais em um nível profundo, então se segue, contrariamente, que para a recuperação dessas dores e para o desenvolvimento de uma nova epistemologia, alguma mudança de duplo vínculo será apropriada. O duplo vínculo conduz à conclusão do desespero, “não há alternativas”. A Oração da Serenidade explicitamente liberta o adorador desses laços enlouquecedores.
Nessa conexão vale a pena mencionar que o grande esquizofrênico, John Perceval, observava uma mudança em suas “vozes”. No começo de sua psicose elas abusavam dele com “ordens contraditórias” (ou como eu diria, duplos vínculos), mas mais tarde ele começou a recuperar-se quando elas lhe ofereciam escolhas de alternativas claramente definidas.
- Em uma
característica, AA difere profundamente de tais sistemas mentais naturais
como a família ou uma floresta de carvalhos. Ele tem um único
propósito – “levar a mensagem de AA ao doente alcoólatra que a desejar”
- e a organização é dedicada à maximização desse propósito. A esse
respeito, AA não é mais sofisticada que a General Motors ou uma nação
ocidental. Mas sistemas biológicos, além daqueles baseados sobre idéias
ocidentais (e especialmente dinheiro), têm múltiplos
propósitos. Não há uma variável única na floresta de carvalhos da qual
podemos dizer que o sistema todo está orientado para maximizar aquela
variável e todas as outras variáveis são subsidiárias a ela; e, no
entanto, a floresta de carvalhos trabalha em direção a uma otimização e
não a uma maximização. Suas necessidades são saciáveis, e muito de
qualquer coisa é tóxica.
Há, no entanto, isso: que o propósito único de AA é dirigido para fora e apontado para um relacionamento não competitivo cm o mundo mais extenso. A variável a ser maximizada é uma complementaridade e é da natureza de “serviço” e não de dominação.
O
STATUS EPISTEMOLÓGICO DE PREMISSAS COMPLEMENTARES E SIMÉTRICAS
Foi
notado acima que na interação humana, a simetria e a complementaridade podem
ser combinadas complexamente. Portanto é razoável perguntar como é possível
considerar esses temas como tão fundamentais que eles devam ser chamados
“epistemológicos”, mesmo em um estudo da história natural de premissas
culturais e interpessoais.
A resposta parece pairar sobre o que significa “fundamental” em tal estudo da história natural do homem; e a palavra parece carregar dois tipos de significado.
Primeiro, eu chamo de mais fundamentais aquelas premissas que são mais profundamente integradas na mente, que são de “programação mais difícil” e menos suscetíveis a mudanças. Nesse sentido, o orgulho simétrico ou autoconfiança exagerada do alcoólatra é fundamental.
Segundo, eu devo chamar de mais fundamental aquelas premissas de mente que se referem a sistemas ou formas mais amplos e não menores do universo. A proposição “a grama é verde” é menos fundamental que a proposição “diferenças de cor fazem uma diferença”.
Mas, se nós perguntarmos o que acontece quando premissas são mudadas, torna-se claro que essas duas definições de “fundamental” se sobrepõe em grande extensão. Se um homem alcança ou sofre mudanças em premissas que são profundamente entranhadas em sua mente, ele irá certamente perceber que os resultados dessa mudança se ramificarão através de seu universo inteiro. Podemos chamar tais mudanças de “epistemológicas”.
A resposta parece pairar sobre o que significa “fundamental” em tal estudo da história natural do homem; e a palavra parece carregar dois tipos de significado.
Primeiro, eu chamo de mais fundamentais aquelas premissas que são mais profundamente integradas na mente, que são de “programação mais difícil” e menos suscetíveis a mudanças. Nesse sentido, o orgulho simétrico ou autoconfiança exagerada do alcoólatra é fundamental.
Segundo, eu devo chamar de mais fundamental aquelas premissas de mente que se referem a sistemas ou formas mais amplos e não menores do universo. A proposição “a grama é verde” é menos fundamental que a proposição “diferenças de cor fazem uma diferença”.
Mas, se nós perguntarmos o que acontece quando premissas são mudadas, torna-se claro que essas duas definições de “fundamental” se sobrepõe em grande extensão. Se um homem alcança ou sofre mudanças em premissas que são profundamente entranhadas em sua mente, ele irá certamente perceber que os resultados dessa mudança se ramificarão através de seu universo inteiro. Podemos chamar tais mudanças de “epistemológicas”.
A
questão então permanece em relação ao que é epistemologicamente “correto” e o
que é epistemologicamente “errado”. A mudança do “orgulho” alcoólico simétrico
para as espécies de complementaridades de AA é uma correção de sua
epistemologia? E a complementaridade é sempre de alguma forma melhor que a
simetria?
Para
o membro de AA, pode bem ser verdade que a complementaridade é sempre
preferível à simetria e que mesmo a rivalidade trivial de um jogo de tênis ou
xadrez possa ser perigosa. O episódio superficial pode tocar uma premissa
simétrica profundamente entranhada. Mas isso não significa que o tênis ou o
xadrez proponha um erro epistemológico para todo mundo.
O problema ético e filosófico envolve-se apenas com os níveis mais amplos do universo ou mais profundos da psicologia. Se nós acreditamos profundamente e inconscientemente que nossas relações com o sistema mais amplo que nos envolve – o “Poder maior que nós mesmos” – é simétrico e emulativo, então nós estamos em erro.
O problema ético e filosófico envolve-se apenas com os níveis mais amplos do universo ou mais profundos da psicologia. Se nós acreditamos profundamente e inconscientemente que nossas relações com o sistema mais amplo que nos envolve – o “Poder maior que nós mesmos” – é simétrico e emulativo, então nós estamos em erro.
Limitações da hipótese
Finalmente,
a análise acima está sujeita às seguintes limitações e implicações:
- Não é afirmado que
todos os alcoólatras operam de acordo com a lógica que está delineada
aqui. É bem possível que existam outros tipos de alcoólatras e é quase
certo que a adicção alcoólica em outras culturas seguirão outras linhas.
- Não é afirmado que o
modo de Alcoólicos Anônimos é a única forma de viver
corretamente ou que sua teologia é a única derivação correta da
epistemologia da cibernética e da teoria de sistemas.
- Não é afirmado que
todas as transações entre seres humanos devam ser complementares, apenas
de ser claro que a relação entre o indivíduo e o sistema mais amplo do
qual ele faz parte deva ser necessariamente assim. Relações entre pessoas
serão (eu espero) sempre complexas.
- No entanto, é
afirmada que o mundo não alcoólico tem muitas lição que podem ser
aprendidas da epistemologia da teoria de sistemas e dos modos de AA. Se
nós continuarmos a operar em termos de um dualismo cartesiano de mente
versus matéria, provavelmente nós iremos também continuar a ver o mundo em
termo de Deus versus homem; elite versus povo; raça eleita versus os
outros; nações versus nações; e homem versus ambiente. É duvidoso se uma
espécie tendo ambas uma tecnologia avançada e essa forma
estranha de olhar seu mundo possa sobreviver.
[1] Essa frase é
usada por AA para ironizar o alcoólatra que tenta usar a força de vontade
contra a garrafa. A citação, junto com a frase “minha cabeça está sangrando mas
não está curvada”, vem do poema “Invictus” de William Ernest Henley, que era um
deficiente físico mas não um alcoólatra. O uso da vontade para conquista da dor
e de uma deficiência física provavelmente não é comparável ao uso da vontade
pelo alcoólatra.
[2] NT: bit:
Abreviação do inglês bi(nary) (digi)t. Unidade mínima de informação em um
sistema digital, que pode assumir apenas um de dois valores (geralmente 0 ou
1).
[3] Esse uso da
estrutura contextual formal como um mecanismo descritivo não assume
necessariamente que o princípio discutido é no todo ou em parte realmente aprendido
em contextos tendo a estrutura formal apropriada. O princípio pode ter
sido geneticamente determinada, e pode ainda seguir que o princípio é melhor
descrito pela delineação forma dos contextos nos quais ele é exemplificado. É
precisamente esse ajuste do comportamento ao contexto que torna dificultoso ou
impossível determinar se um princípio de comportamento era geneticamente determinado
ou aprendido naquele contexto. Ver
G. Bateson “Social Planning and the Concept of Deutero-Learning”, Conference on
Science, Philosophy and Religion, Second Symposium, New York, Harper, 1942.
[4] Estudo da
finalidade. Doutrina que considera
o mundo como um sistema de relações entre meios e fins; teologismo. [Cf., nesta
acepç., finalismo.] Estudo dos fins humanos.
[5] Essa
diversidade em estilos de integração pode explicar o fato de que algumas
pessoas se tornam alcoólatras enquanto outras não.