O QUE É

O objetivo desse ministério é ajudar seu participante a desenvolver recuperação em qualquer área de sua vida, tais como vícios, traumas e maus hábitos. Para tanto, é utilizado o programa de 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos e 8 princípios bíblicos, baseados nas bem-aventuranças do sermão de Jesus Cristo, oficialmente e nominalmente nosso Poder Superior. Após o ciclo de passos o participante alcança recuperação e restauração através das ferramentas do programa e, principalmente, através do poder redentor do Evangelho de Jesus Cristo e da ação transformadora do Espirito Santo de Deus em nossas vidas.

A CIBERNÉTICA DO SELF


A Cibernética do Self: Uma teoria do Alcoolismo


A “lógica” da adicção alcoólica tem deixado perplexos psiquiatras não menos que a “lógica” do regime espiritual estrênuo pelo qual a organização Alcoólicos Anônimos é capaz de contrapor-se à adicção. No presente ensaio é sugerido: (1) que uma epistemologia inteiramente nova deve surgir da teoria da cibernética e dos sistemas, envolvendo uma nova compreensão da mente, do self, do relacionamento humano e do poder; (2) que o alcoólatra adicto está operando, quando sóbrio, em termos de uma epistemologia que é convencional na cultura ocidental, mas que não é aceitável à teoria dos sistemas; (3) que a rendição à intoxicação alcoólica provê um atalho parcial e subjetivo a um estado de mente mais correto; e (4) que a teologia de Alcoólicos Anônimos coincide muito de perto com uma epistemologia da cibernética.

O ensaio presente é baseado em idéias que são, talvez todas elas, familiares tanto aos psiquiatras que tem lidado com alcoólatras, ou por filósofos que tem pensado sobre as implicações da cibernética e teoria de sistemas. A única novidade que pode ser afirmada para a tese aqui oferecida deriva do tratamento dessas idéias seriamente como premissas de argumento e juntar idéias comuns de dois campos de pensamento bem separados.

Nessa primeira concepção, esse ensaio foi planejado para ser um estudo teórico-sistêmico da adicção alcoólica, na qual eu irei usar dados das publicações de Alcoólicos Anônimos, que tem o único registro notável de sucessos no lidar com alcoólatras. Logo se torna evidente, no entanto, que a visão religiosa e a estrutura de organização de AA apresentam pontos de grande interesse à teoria de sistemas, e que o escopo correto de meu estudo deveria incluir não apenas as premissas de alcoolismo, mas também as premissas do sistema de AA de tratá-lo e as premissas da organização de AA.

Meu débito a AA irá evidenciar-se através dele – também, eu espero, meu respeito por aquela organização e especialmente pela extraordinária sabedoria de seus co-fundadores, Bill W. e Doutor Bob.

Em adição, eu tenho que reconhecer um débito a uma pequena amostra de pacientes alcoólatras com quem eu trabalhei intensivamente por cerca de dois anos em 1949-52, no Hospital da Administração de Veteranos, em Palo Alto, Califórnia. Esses homens, deve ser dito, tinham outros diagnósticos – na maioria de “esquizofrenia” – associados com as dores do alcoolismo. Vários eram membros de AA. Eu temo que não os ajudei em nada.


O PROBLEMA


É aceito geralmente que “causas” ou “razões” para alcoolismo são para serem procuradas na vida sóbria do alcoólatra. Alcoólatras, em suas manifestações sóbrias, são comumente chamados de “imaturos”, “fixados maternalmente ou oralmente”, “homossexuais”, “orgulhosos”, “afáveis”, ou simplesmente “fracos”. Mas as implicações dessa crença não são examinadas comumente:

  1. Se a vida sóbria do alcoólatra de alguma forma o impulsiona a beber ou propõe o primeiro passo para a intoxicação, não é para ser esperado que qualquer procedimento que reforce seu estilo particular de sobriedade irá reduzir ou controlar seu alcoolismo.

  2. Se seu estilo de sobriedade o impulsiona a beber, então esse estilo deve conter erro ou patologia; e a intoxicação deve prover alguma – ao menos subjetiva – correção desse erro. Em outras palavras, comparado com sua sobriedade, que é de alguma forma “errada”, sua intoxicação deve de alguma forma ser “certa”. O velho ditado in vino veritas deve conter uma verdade mais profunda que a que lhe é usualmente atribuída.

  3. Uma hipótese alternativa deverá sugerir que quando sóbrio, o alcoólatra é de alguma forma mais são que as pessoas à sua volta, e que essa situação é intolerável. Eu tenho ouvido alcoólatras argumentarem a favor dessa possibilidade, mas eu devo ignorá-la nesse ensaio. Eu penso que Bernard Smith, o representante legal não-alcoólatra de AA, chegou perto do ponto quando ele disse “o membro (de AA) nunca foi escravizado pelo álcool. O álcool simplesmente servia como um escape da escravização pessoal aos ideais de uma sociedade materialista”. Não é uma questão de revolta contra ideais insanos em torno dele, mas de escapar de suas próprias premissas insanas, que são continuamente reforçadas pela sociedade à sua volta. É possível, no entanto, que o alcoólatra é de alguma forma mais vulnerável ou sensível que o normal ao fato de que suas premissas insanas (mas convencionais) levem a resultados insatisfatórios.

  4. A presente teoria de alcoolismo, portanto, irá prover um ajuste converso entre a sobriedade e a intoxicação, de forma que a última pode ser vista como uma correção subjetiva e apropriada da primeira.

  5. Há, é claro, muitas instâncias nas quais as pessoas recorrem ao álcool e mesmo à intoxicação extrema como um anestésico dando-lhe alívio do sentimento de perda e ressentimento comuns ou de dor física. Pode ser argumentado que a ação anestésica do álcool provê um ajuste converso suficiente para nossos propósitos teóricos. Eu devo, no entanto, excluir especificamente esses casos da consideração como sendo não relevantes ao problema do alcoólatra repetitivo ou adictivo; e isso apesar do fato indubitável de que “luto”, “ressentimento” e “frustração” são comumente usados por alcoólatras adictos como desculpas para beber.

Eu devo afirmar, portanto, um ajuste converso mais específico entre a sobriedade e a intoxicação que a que é oferecida pela mera anestesia.


SOBRIEDADE


Os amigos e familiares do alcoólatra comumente o incentivam a ser “forte”, e a “resistir à tentação”. O que eles querem dizer com isso não é muito claro, mas é significante que o próprio alcoólatra – enquanto sóbrio – comumente concorda com a visão deles sobre o “problema”. Ele acredita que ele pode ser, ou, no mínimo, deveria ser o “capitão de sua alma”[1]. Mas é um clichê do alcoolismo que depois “daquele primeiro gole”, a motivação de parar de beber é zero. Tipicamente a questão toda é fraseada abertamente como uma batalha entre o “self” e o “Zé Canabrava”. Acobertadamente o alcoólatra pode estar planejando mesmo secretamente estocar suprimento para a próxima bebedeira, mas é quase impossível (no ambiente hospitalar) ver o alcoólatra sóbrio planejar sua próxima bebedeira de forma aberta. Ele não pode, aparentemente, ser o “capitão” de sua alma e abertamente desejar ou ordenar sua própria bebedeira. O “capitão” pode apenas ordenar sobriedade – e então não ser obedecido.

Bill W., o co-fundador de Alcoólicos Anônimos, ele mesmo um alcoólatra, fez um corte através de toda essa mitologia do conflito no primeiro passo dos famosos “12 Passos” de AA. O primeiro passo determina que o alcoólatra concorde que ele é impotente perante o álcool. Esse passo é usualmente considerado como uma “rendição” e muitos alcoólatras ou são incapazes de alcançá-lo ou o alcançam apenas por um breve período de remorso seguinte a uma bebedeira. AA não considera esses casos como promissores: eles ainda não chegaram ao “fundo do poço”; seu desespero é inadequado e depois de um tempo mais ou menos breve de sobriedade eles irão novamente tentar usar o “autocontrole” para lutar contra a “tentação”. Eles não irão aceitar, ou não podem aceitar a premissa que, embriagados ou sóbrios, a personalidade toda de um alcoólatra é uma personalidade alcoólica que não pode concebivelmente lutar contra o alcoolismo. Como um folheto de AA diz, “tentar usar a força de vontade é como tentar levantar-se puxando os cordões dos sapatos”.

Os primeiros dois passos de AA são os seguintes:

  1. Admitimos nossa impotência perante o álcool e que perdemos o domínio de nossas vidas.
  2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós poderia nos devolver à sanidade.


Está implícita na combinação desses dois passos uma extraordinária – e eu acredito correta – idéia: a experiência da derrota não apenas serve para convencer o alcoólatra que a mudança é necessária; é o primeiro passo para aquela mudança. Ser derrotado pela garrafa e saber disso é a primeira “experiência espiritual”. O mito do autopoder é, portanto, quebrado pela demonstração de um poder maior.

Em suma, eu devo argumentar que a “sobriedade” do alcoólatra é caracterizada por uma variação inusitadamente desastrosa do dualismo cartesiano, a divisão entre Mente e Matéria, ou, nesse caso, entre a vontade consciente, ou “self”, e o remanescente da personalidade. O golpe de gênio de Bill W. foi romper, com o primeiro “passo” a estruturação desse dualismo.

Visto filosoficamente, esse primeiro passo não é uma rendição: ele é simplesmente uma mudança de epistemologia, uma mudança em como conhecer sobre a personalidade-no-mundo. E, notavelmente, a mudança é de uma incorreta para uma mais correta epistemologia.


Epistemologia e ontologia


Os filósofos têm reconhecido e separado dois tipos de problema. Primeiro, há o problema de como as coisas são, o que é uma pessoa, e que tipo de mundo é este. Esses são problemas da ontologia. Segundo, há os problemas de como nós sabemos alguma coisa, ou mais especificamente, como nós sabemos que tipo de mundo é este e que tipo de criaturas nós somos que podemos conhecer alguma coisa (ou talvez nada) dessa questão. Esses são os problemas da epistemologia.  A essas questões, tanto ontológicas como epistemológicas, os filósofos tentam encontrar as respostas verdadeiras.

Mas o naturalista, observando o comportamento humano, irá fazer perguntas um tanto diferentes. Se ele for um relativista cultural, ele pode concordar com aqueles filósofos que sustentam que uma ontologia “verdadeira”é concebível, mas ele não irá perguntar se a ontologia da pessoa que ele observa é “verdadeira”. Ele irá esperar que sua epistemologia seja culturalmente determinada ou mesmo idiossincrática, e ele irá esperar que a cultura como um todo faça sentido em termos de sua epistemologia e ontologia particulares.

Se, por outro lado, é claro que a epistemologia local é errada, então o naturalista deverá estar alerta à possibilidade de que a cultura como um todo nunca irá realmente fazer “sentido”, ou irá fazer sentido somente sob circunstâncias restritas, que o contacto com outras culturas e novas tecnologias pode corromper.

Na história natural do ser humano vivente, a ontologia e a epistemologia não podem ser separadas. Suas (comumente inconscientes) crenças sobre que tipo de mundo ele é irá determinar como ele o vê e age dentro dele, e suas formas de perceber e agir irão determinar suas crenças sobre sua natureza. O homem vivente está então ligado a uma rede de premissas epistemológicas e ontológicas que – independente da verdade ou falsidade últimas – torna-se parcialmente autovalidadora para ele.

É estranho referir-se constantemente a ambas a epistemologia e ontologia e incorreto sugerir que elas são inseparáveis na história humana natural. Parece que não há uma palavra conveniente para cobrir a combinação desses dois conceitos. As melhores aproximações são “estrutura cognitiva” ou “estrutura de caráter”, mas esses termos falham em sugerir que o que é importante é um conjunto de premissas ou assunções habituais implícitas no relacionamento entre o homem e o ambiente, e que essas premissas podem ser verdadeiras ou falsas. E devo, portanto, usar o termo único “epistemologia” neste ensaio para cobrir ambos os aspectos da rede de premissas que governam a adaptação (ou má adaptação) do humano e do ambiente físico. No vocabulário de George Kelly, essas são as regras pelas quais um indivíduo “construe” sua experiência.

Eu estou preocupado especialmente com aquele grupo de premissas sobre as quais o conceito ocidental de “self” é edificado, e conversamente, quais premissas que são corretivas a alguns dos erros ocidentais mais crassos associados com aquele conceito.



A epistemologia da cibernética


o que é novo e surpreendente é que nós agora temos respostas parciais a algumas dessas questões. Nos últimos vinte e cinco anos avanços extraordinários têm sido feitos quanto a nossos conhecimentos do tipo de coisa que o ambiente é, que tipo de coisa um organismo é, e, especialmente, que tipo de coisa a mente é. Esses avanços têm surgido da cibernética, da teoria dos sistemas, da teoria da informação e ciências correlatas.

Nós agora sabemos, com certeza considerável, que o antigo problema de se a mente é imanente ou transcendente pode ser respondida em favor da imanência, e que essa resposta é a mais econômica das entidades explanatórias que qualquer resposta transcendente: ela tem ao menos o suporte negativo da Navalha de Occam.

Do lado positivo, nós podemos asseverar que qualquer ajuntamento contínuo de eventos e objetos que tenha a complexidade adequada de circuitos causais e a relação de energia apropriada irá certamente mostrar características mentais. Ela irá comparar, ou seja, será responsiva à diferença (em adição a ser afetada pela “causa” física comum como impacto ou força). Ela irá “processar a informação” e irá inevitavelmente ser autocorretiva seja em direção ao ótimo homeostático ou em direção à maximização de certas variáveis.

Um “bit”[2] de informação é definível como uma diferença que faz uma diferença. Tal diferença, assim que viaja e passa por transformações sucessivas em um circuito, é uma idéia elementar.

Mas, mais relevante no presente contexto, nós sabemos que nenhuma parte de tal sistema interativo interno pode ter um controle unilateral sobre as restantes ou sobre qualquer parte. As características mentais são inerentes ou imanentes no conjunto como um todo.

Mesmo em um sistema autocorretivo bem simples, esse caráter holístico é evidente. Em um motor a vapor com um “governador”, a própria palavra “governador” não é um nome adequado se ele for tomado pelo significado de que essa parte do sistema tem controle unilateral. O governador é, essencialmente, um órgão sensorial ou conversor que recebe uma transformação da diferença entre a velocidade corrente atual do motor e alguma velocidade ideal ou preferida. Esse órgão sensorial transforma essas diferenças em diferenças em alguma mensagem eferente, por exemplo, ao suprimento de combustível ou a um freio. O comportamento do governador é determinado, em outras palavras, pelo comportamento das outras partes do sistema, e indiretamente pelo seu próprio comportamento em um período anterior.

O caráter holístico e mental do sistema é mais claramente demonstrado por esse último fato, que o comportamento do governador (e, na verdade, de cada parte do circuito causal) é parcialmente determinado pelo seu próprio comportamento prévio. A mensagem material (isto é, transformações sucessivas de diferença) deve passar pelo circuito total, e o tempo requerido pela mensagem material para retornar ao lugar de onde partir é uma característica básica do sistema total. O comportamento do governador (ou de qualquer parte do circuito) é, assim, em algum grau determinado não apenas por seu passado imediato, mas pelo que ele fez em um tempo que precede o presente pelo intervalo necessário para a mensagem completar o circuito. Há assim um tipo de memória determinativa mesmo no mais simples circuito cibernético.

A estabilidade do sistema (i.e., se ele irá agir autocorretivamente ou oscilar ou irá disparar) depende da relação entre o produto operacional de todas as transformações de diferença por todo o circuito e sobre seu tempo característico. O “governador” não tem controle sobre esses fatores. Mesmo um governador humano em um sistema social está preso por essas mesmas limitações. Ele é controlado pela informação vinda do sistema e deve adaptar suas próprias ações a suas características de tempo e aos efeitos de suas próprias ações passadas.

Assim, em nenhum sistema que mostra características mentais uma parte pode ter controle unilateral sobre o todo. Em outras palavras, as características mentais do sistema são imanentes, não em alguma parte, mas no sistema como um todo.  

A significância dessa conclusão aparece quando nós perguntamos “Um computador pode pensar?” ou “a mente está no cérebro?”. E a resposta a ambas as questões irá ser negativa a não ser que a questão seja focada sobre uma das poucas características mentais que estão contidas dentro do computador ou do cérebro. Um computador é autocorretivo em relação a algumas de suas variáveis internas. Ele pode, por exemplo, incluir termômetros ou outros órgãos sensoriais que são afetados pelas diferenças de temperaturas funcionais, e a resposta do órgão sensorial a essas diferenças podem afetar a ação de um ventilador que em retorno corrige a temperatura. Mas será incorreto dizer que o negócio principal do computador – a transformação de diferenças de entrada (input) em diferenças de saída (output) – seja um “processo mental”. O computador é apenas um elo de um circuito mais amplo que sempre inclui um homem e um ambiente dos quais a informação é recebida e sobre os quais as mensagens eferentes do computador têm efeito. Desse sistema total, ou conjunto, pode-se dizer legitimamente que mostra características mentais. Ele opera via ensaio e erro e tem um caráter criativo.

Similarmente, nós podemos dizer que “mente” é imanente a esses circuitos do cérebro que são completos dentro do cérebro. Ou que a mente é imanente em circuitos que são completos dentro do sistema, cérebro mais corpo. Ou, finalmente, que mente é imanente em sistemas mais amplos – homem mais ambiente.

Em princípio, se nós desejamos explicar ou entender o aspecto mental de qualquer evento biológico, nós devemos levar em conta o sistema, - ou seja, a rede de circuitos fechados, dentro dos quais aquele evento biológico é determinado. Mas quando nós procuramos explicar o comportamento de um homem ou algum outro organismo, esse “sistema” irá usualmente não ter os mesmos limites como o “self” – como esse termos é comumente (e variavelmente) entendido.

Considere um homem derrubando uma árvore com um machado. Cada batida do machado é modificada ou corrigida, de acordo com a forma do corte deixado pela machadada anterior. Esse processo autocorretivo (isto é, mental) é produzido por um sistema total, árvore-olhos-cérebro-músculos-machado-machadada-árvore; e é esse sistema total que tem as características da mente imanente.

Mais corretamente, nós devemos falar da matéria dessa forma: (diferenças na árvore) – (diferenças na retina) – ( diferenças no cérebro) – ( diferenças nos músculos) – (diferenças no movimento do machado) – (diferenças na árvore), etc. O que é transmitido através do circuito são transformações de diferenças. E, como notado acima, uma diferença que faz uma diferença é uma idéia ou unidade de informação.

Mas isso não é como o ocidental médio vê a seqüência do evento da derrubada da árvore. Ele diz, “eu cortei a árvore” e ele acredita mesmo que há um agente delimitado, o “self” que executou uma ação “proposital” delimitada sobre um objeto delimitado.

É também correto dizer que “ a bola de bilhar A bateu na bola de bilhar B e a enviou à caçapa”; e talvez será bem correto (se nós pudermos fazer isso) dar uma descrição completa e científica dos eventos todos através do circuito contendo o homem e a árvore. Mas o discurso popular inclui mente em suas manifestações invocando o pronome pessoal, e então alcançar uma mistura de mentalismo e fisicalismo por restringir a mente dentro do homem e reificando a árvore. Finalmente a mente em si se torna reificada pela noção de que, desde que o “self” agiu sobre o machado que agiu cobre a árvore, o “self” deve ser também uma “coisa”. O paralelismo de sintaxe entre “eu bati na bola de bilhar” e “a bola bateu em outra bola” é totalmente enganosa.

Se você perguntar a alguém sobre a localização e fronteiras do self, essas confusões serão imediatamente demonstradas. Ou considere um homem cego com uma bengala. Onde é que começa o self do homem cego? Na ponta da bengala? Em seu cabo? Ou em algum ponto no meio da bengala? Essas questões não têm sentido, porque a bengala é um meio ao longo do qual as diferenças são transmitidas sob transformação, de forma que traçar uma linha delimitadora que cruze esse meio é cortar fora uma parte de um circuito sistêmico que determina a locomoção do homem cego.

Similarmente, esses órgãos sensoriais são conversores ou caminhos para a informação, assim também como os axônios, etc. De um ponto de vista teórico-sistêmico, é uma metáfora enganosa dizer que o que viaja em um axônio é um “impulso”. Seria mais correto dizer que o que viaja é uma diferença, ou a transformação de uma diferença. A metáfora do “impulso” sugere uma linha de pensamento de ciência rígida que irá ramificar muito facilmente em algo sem sentido sobre “energia psíquica”, e aqueles que falam esse tipo de coisa sem sentido irão desconsiderar o conteúdo informativo da quiescência. A quiescência de um axônio difere tanto da atividade como sua atividade da quiescência. Portanto, a quiescência e a atividade têm relevância informacional igual. A mensagem da atividade pode apenas ser aceita como válida se a mensagem da quiescência também puder ser confiável.

É até mesmo incorreto falar da “mensagem da atividade” e da “mensagem da quiescência”. O fato de que a informação é uma transformação da diferença deve ser sempre lembrado, e nós faremos melhor em chamar uma de mensagem “atividade-não quiescente” e a outra “quiescência-não atividade”.

Considerações similares aplicam-se ao alcoólatra arrependido. Ele não pode simplesmente eleger a “sobriedade”. No melhor ele pode apenas eleger a “sobriedade-não embriaguez”, e seu universo permanece polarizado, carregando ambas as alternativas.

A unidade total autocorretiva que processa a informação, ou, como eu disse, “pensa” e “age” e “decide”, é um sistema cujas fronteiras de forma nenhuma coincidem com as fronteiras sejam do corpo ou do que é popularmente chamado de “self” ou “consciência”; e é importante notar que há diferenças múltiplas entre o sistema pensante e o “self” como concebido popularmente”“:

  1. O sistema não é uma entidade transcendente como o “self” é suposto ser comumente.

  2. As idéias são imanentes em uma rede de trilhas causais ao longo das quais as transformações da diferença são conduzidas.  As “idéias” do sistema são em todos os casos pelo menos binárias em estrutura. Elas não são “impulsos” mas “informação”.

  3. Essa rede de trilhas não está ligada com a consciência mas estende-se para incluir as trilhas de todas as atividades mentais – tanto autonômicas e reprimidas, neurais e hormonais.

  4. A rede não está ligada pela pele, mas inclui todas as trilhas externas álcool longo das quais a informação pode trafegar. Também inclui aquelas diferenças efetivas que são imanentes nos “objetos” de tais informações. Inclui as trilhas do som e luz ao longo das quais trafegam as transformações das diferenças originalmente imanentes em coisas e outras pessoas – e especialmente em nossas próprias ações.


É importante notar que os princípios básicos – e eu creio que errados – da epistemologia popular são mutuamente reforçadores. Se, por exemplo, a premissa popular da transcendência é descartada, a substituta imediata é uma premissa de imanência no corpo. Mas essa alternativa será inaceitável porque grandes partes da rede pensante são localizadas fora do corpo. O assim chamado problema “Corpo-Mente” é erradamente posicionado em termos que forçam o argumento em direção a um paradoxo: se a mente é suposta como imanente ao corpo, então ela deve ser transcendente. Se transcendente, ela deve ser imanente, e assim por diante.

Similarmente, se nós excluirmos os processos inconscientes do “self” e os chamados de “ego-alienados”, então esses processos tomam a coloração subjetiva dos “impulsos” e “forças”; e essa qualidade pseudodinâmica é então estendida ao “self” consciente com a tentativa de “resistir” às “forças” do inconsciente. O “self” portanto se torna em si uma organização de “forças” aparentes. A noção popular que irá igualar o “self” com o consciente então conduz à noção de que idéias são “forças”; e essa falácia é em retorno suportada pela afirmação de que o axônio carrega “impulsos”. Não é fácil achar uma saída dessa confusão.

Nós devemos prosseguir examinando primeiro a estrutura da polarização alcoólica. Na resolução epistemologicamente não válida “eu irei lutar contra a garrafa”, o que é supostamente alinhado contra que?

o “orgulho” alcoólico

Alcoólatras são filósofos naquele sentido universal no qual todos os seres humanos (e todos os mamíferos) são guiados por princípios altamente abstratos de que eles são tão completamente inconscientes como inadvertidos de que o princípio governante de sua percepção e ação é filosófico. Um nome comumente inadequado para tais princípios é “sentimentos”.

Essa má nomeação surge naturalmente da tendência epistemológica Anglo-saxônica de reificar ou atribuir ao corpo todos os fenômenos mentais que são periféricos à consciência. E a má nomeação é, sem dúvida, suportada pelo fato de que o exercício e/ou frustração desses princípios é freqüentemente acompanhado por sensações viscerais e outras sensações físicas. Eu creio, no entanto que Pascal estava correto quando disse: “o coração têm razões que a própria razão desconhece”.

Mas o leitor não deve esperar que o alcoólatra apresente uma imagem consistente. Quando a epistemologia subjacente é cheia de erros, as derivações dela são inevitavelmente ou autocontraditórias ou extremamente restritas em seu escopo. Um corpo coerente de teoremas não pode ser derivado de um corpo inconsistente de axiomas. Em tais casos, a tentativa de ser consistente leva tanto a uma maior proliferação da complexidade característica da teoria psicanalítica e da teologia crista ou à visão extremamente estreita característica do behaviorismo contemporâneo.

Portanto, eu devo prosseguir a examinar o “orgulho” que é característica dos alcoólatras que mostra que esse princípio de seus comportamentos é derivado da estranha epistemologia dualística característica da civilização ocidental.

Um modo conveniente de descrever tais princípios como “orgulho”, “dependência”, “fatalismo”, e assim adiante, é examinar o princípio como se fosse um resultado de um deutero-aprendizado [3] e perguntar que contextos de aprendizado podem compreensivelmente inculcar esse princípio.

  1. Está claro que o princípio da vida alcoólica que AA chama de “orgulho” não é estruturado contextualmente em sucessos passados. Eles não usam a palavra para significar orgulho por alguma coisa alcançada. A ênfase não é sobre “eu consegui”, mas antes sobre “Eu posso...” É uma aceitação obsessiva de um desafio, um repúdio à proposição “eu não posso”.

  2. Depois que o alcoólatra começou a sofrer de - ou ser acusado de - alcoolismo, esse princípio de “orgulho” é mobilizado para trás da proposição “Eu posso permanecer sóbrio”. Mas, notavelmente, alcançar esse sucesso destrói o “desafio”. O alcoólatra torna-se presunçoso, com AA diz. Ele relaxa sua determinação, arrisca um gole, e descobre-se numa bebedeira. Nós podemos dizer que a estrutura contextual da sobriedade muda com esse resultado. Sobriedade, nesse ponto, não é mais um contexto apropriado para “orgulho”. É o risco do primeiro gole que agora é desafiador e apela para o fatal “eu posso...”.

  3. AA faz o seu melhor em insistir que essa mudança na estrutura contextual nunca deve ocorrer. Eles reestruturam o contexto todo por asseverar vez após vez que “uma vez alcoólatra sempre um alcoólatra”. Eles tentam fazer o alcoólatra colocar o alcoolismo dentro de si, muito do que um analista jungiano tenta fazer com seu paciente, em descobrir seu “tipo psicológico” e aprender a viver com as forças e as fraquezas daquele tipo. Em contraste, a estrutura contextual do “orgulho” alcoólico colocar o alcoolismo fora do self: “Eu posso resistir ao beber”.

4.     O componente do desafio do “orgulho” alcoólico é ligado com o correr riscos. O princípio pode ser dito assim: “eu posso fazer alguma coisa onde o sucesso é improvável e a falha será desastrosa”. Claramente, esse princípio nunca servirá para manter a sobriedade. Assim que o sucesso começa a parecer provável, o alcoólatra deve desafiar o risco de um drinque. O elemento de “má sorte” ou “probabilidade” da falha coloca o desafio para além dos limites do self. “Se a falha ocorre, ela não é minha”. O “orgulho” alcoólico estreita progressivamente o conceito de “self” colocando o que acontece fora de seu escopo.

5.     O princípio do orgulho-no-risco é finalmente quase suicida. Está tudo bem testar uma vez se o universo está do nosso lado, mas fazer isso vez após vez, com aumento da estringência da prova, é dar início a um projeto que pode apenas provar que o universo o odeia. Mas, ainda assim, as narrativas de AA mostram repetidamente que, no fim do desespero, alguma coisa previne o suicídio. O silêncio final não deve ser trazido pelo “self”.



ORGULHO E SIMETRIA


O assim chamado orgulho do alcoólatra sempre presume um “outro” real ou fictício, e sua definição contextual completa, portanto, exige que nós caracterizemos o relacionamento real ou imaginário com esse “outro”. Um primeiro passo para essa tarefa é classificar como ou “simétrica” ou “complementar”. Fazer isso não é tão simples quando o “outro” é uma criação do inconsciente, mas nós devemos ver que as indicações para tal classificação são claras.

Uma digressão explanatória é, no entanto, necessária. O primeiro critério é simples:

Se, em uma relação binária, os comportamentos de A e B são considerados (por A e B) como similares e são ligado de forma que quanto mais de um dado comportamento por A estimula mais dele em B, e vice versa, então o relacionamento é “simétrico” em relação a esses comportamentos.

Se, contrariamente, os comportamentos de A e B são dissimilares, mas mutuamente se ajustam (como, por exemplo, o voyeurismo se ajusta ao exibicionismo), e os comportamentos estão conectados de forma a que quanto mais comportamento de B estimular mais do comportamento ajustado de B, então o relacionamento é “complementar” em relação a esses comportamentos.

Exemplos comuns de relacionamentos simétricos simples são as corridas armamentistas, igualar-se aos vizinhos, emulação atlética, lutas de boxe, e parecidos. Exemplos comuns de relacionamentos de complementaridade são a dominação-submissão, sado-masoquismo, nutrição-dependência, voyeurismo-exibicionismo, e parecidos.

Considerações mais complexas surgem quando tipos lógicos superiores estão presentes. Por exemplo: A e B podem competir em doações, sobrepondo assim uma moldura simétrica maior sobre comportamentos complementares primários. Ou, contrariamente, um terapeuta pode engajar-se em competição com um paciente em alguma forma de jogo terapêutico, estabelecendo uma moldura nutriente complementar em torno das transações simétricas primárias do jogo.

Vários tipos de “duplo vínculo” são gerados quando A e B percebem as premissas de seu relacionamento em termos diferentes – A por considerar o comportamento de B como competitivo quando B pensa que está ajudando A. E assim por diante.

Nós não estamos preocupados com essas complexidades, porque o “outro” imaginário ou sua contraparte no “orgulho” do alcoólatra não joga, eu creio, os jogos complexos que são características das “vozes” do esquizofrênico.

Ambos os relacionamentos complementares e simétricos são susceptíveis de mudanças progressivas do tipo que eu chamei de “esquimogênese”. Lutas simétricas e corridas armamentistas podem, na frase corrente, “escalar”; e o padrão normal de socorro-dependência entre pais e filhos pode se tornar monstruoso. Esses desenvolvimentos potencialmente patológicos são devidos a retro-alimentações positivas sem controle e sem correção dentro do sistema, e podem – como afirmado – ocorrer em sistemas tanto complementares como simétricos. No entanto, em sistemas mistos a esquimogênese é reduzida necessariamente. A corrida armamentista entre duas nações será reduzida pela aceitação de temas complementares como dominação, dependência, admiração, e assim por diante, entre elas. Ela aumentará pelo repúdio desses temas.

Esse relacionamento antitético entre temas complementares e simétricos é, sem dúvida, devido ao fato que cada é o oposto lógico do outro. Em uma corrida armamentista meramente simétrica, a nação A é motivada a maiores esforços pela sua estimativa da força maior d B. Quando ela estima que B é mais fraca, a nação A relaxará seus esforços. Mas o oposto exato irá acontecer se a estruturação do relacionamento por A for complementar. Observando que B é mais fraca que ela, A irá adiante com esperanças de conquista.

Essa antítese entre padrões complementares e simétricos pode ser mais que simplesmente lógica. Notavelmente, na teoria psicanalítica, os padrões que são chamados “libidinosos” e que são modalidades das zonas erógenas são todas complementares. Intrusão, inclusão, exclusão, recepção, retenção, e semelhantes – todas essas são classificadas como “libidinosas”. Já a rivalidade, competição e semelhantes caem sob a rubrica de “ego” e “defesa”.

É possível também que os dois códigos antitéticos – simétrico e complementar – possam ser fisiologicamente representados pelos estados contrastantes do sistema nervoso central. As progressivas mudanças da esquimogênese podem alcançar descontinuidades climáticas e reversões repentinas. Ódio simétrico pode repentinamente mudar para luto; o animal que se retira com o rabo entre as pernas pode repentinamente voltar-se contra seu oponente em uma desesperada batalha simétrica até a morte. O arruaceiro pode repentinamente tornar-se um covarde quando é desafiado, e o lobo que é derrotado em um conflito simétrico pode repentinamente dar sinais de “rendição” que evitam mais ataques.

O último exemplo é de interesse especial. Se a luta entre os lobos é simétrica – ou seja, se o lobo A é estimulado a um comportamento ais agressivo pelo comportamento agressivo do lobo B – então se B repentinamente exibe o que nós podemos chamar de “agressão negativa”, A não será capaz de continuar a lutar até que ele possa mudar rapidamente para um estado mental complementar no qual a fraqueza de B irá estimular sua agressão. Dentro da hipótese de modos simétricos e complementares, torna-se desnecessário postular um efeito “inibitório” específico para o sinal de rendição.

Seres humanos que possuem linguagem podem aplicar o rótulo “agressão” a todas as tentativas de danificar o outro, sem considerar se a tentativa é estimulada pela fraqueza ou fortaleza do outro; mas ao nível pré-lingüistico dos mamíferos esses dois tipos de “agressão” devem aparecer totalmente diferentes. Dizem-nos que do ponto de vista do leão, um “ataque” a uma zebra é totalmente diferente de um “ataque” a outro leão.

Já foi dito o suficiente agora para que a pergunta possa ser feita: O orgulho alcoólico é contextualmente estruturado em forma simétrica ou complementar?

Primeiro, há uma forte tendência em direção à simetria nos hábitos normais da cultura ocidental. Completamente à parte do alcoolismo adictivo, dois homens bebendo juntos são impelidos pela convenção a igualar um ao outro, bebida por bebida. Nesse estágio, o “outro” é ainda real e a simetria, ou rivalidade, entre o par é amigável.

À medida que o alcoólatra se torna adicto e tenta resistir ao beber, ele começa a descobrir que é difícil resistir ao contexto social no qual ele deve igualar-se a seus amigos em seu beber. AA diz, “Deus sabe, nós tentamos duramente e por muito tempo beber como as outras pessoas!”.
À medida que as coisas ficam piores, o alcoólatra provavelmente se tornará um bebedor solitário e a demonstrar um amplo espectro de respostas ao desafio. Sua esposa e amigos começam a sugerir que seu beber é uma fraqueza, e ele pode responder, com simetria, tanto por ressentir-se deles como por asseverar sua força em resistir à garrafa. Mas, como é característica das respostas simétricas, um breve momento de luta bem sucedida enfraquece sua motivação e ele volta a beber. Esforços simétricos requerem contínua oposição do oponente.

Gradualmente o foco da batalha muda, e o alcoólatra se descobre obrigado a um novo e mais fatal tipo de conflito simétrico. Ele agora deve provar que a garrafa não pode matá-lo. Sua “cabeça está sangrando, mas não curvada”. Ele ainda é o “capitão de sua alma” - seja lá o que signifique.

Enquanto isso, seu relacionamento com a esposa, o chefe e os amigos foi se deteriorando. Ele nunca considerou o status complementar de seu chefe como uma autoridade; e agora que ele deteriora sua mulher é forçada mais e mais a assumir um papel complementar. Ela pode tentar exercer autoridade, ou ela se torna protetora, ou ela mostra paciência, mas tudo isso provoca ou ódio ou vergonha. Seu “orgulho” simétrico não pode tolerar um papel complementar.

Em suma, o relacionamento entre o alcoólatra e seu “outro” fictício ou real é claramente simétrico e claramente esquimogênico. Ele escala. Nós veremos que a conversão religiosa do alcoólatra quando salvo por AA pode ser descrito como uma mudança dramática desse hábito simétrico, ou epistemologia, para uma visão quase puramente complementar de seu relacionamento com outros, com o universo e com Deus.

Orgulho ou prova invertida?


Alcoólatras podem parecer cabeças-duras, mas eles não são estúpidos. A parte de sua mente onde seus princípios são decididos certamente jaz muito profundamente para que a palavra “estupidez” possa ser aplicada. Esses níveis da mente são pré-lingüísticos e a computação que acontece ali é codificada em processo primário.

Tanto em sonho como em interação entre mamíferos, o único meio de conseguir uma proposição que contenha sua própria negação (“eu não vou morder você” ou “eu não estou com medo dele”) é por uma imaginação elaborada ou a atuação (acting out) da proposição a ser negada, conduzindo a um reductio ad absurdum. “Eu não vou mordê-lo” é alcançado entre dois mamíferos por um combate experimental que é um “não combate”, algumas vezes chamado “jogo”. É por essa razão que o comportamento “agonístico” comumente evolui para um cumprimento amistoso.

Nesse sentido, o assim chamado orgulho do alcoólatra é irônico em algum grau. É um esforço determinado para testa alguma coisa como “autocontrole” com um propósito ulterior, mas sem poder ser expresso de provar que “autocontrole” é não efetivo e absurdo. “Isso simplesmente não funciona”. Essa proposição última, desde que contenha uma simples negação, não é para ser expressa no processo primário. Sua expressão final é em uma ação – o tomar um drinque. A heróica batalha com a garrafa, aquele “outro” fictício, termina em um “beijo e ficamos amigos”.

A favor dessa hipótese, há o fato indubitável de que o teste do autocontrole leva de volta ao beber. E, como eu argumentei acima, toda a epistemologia do autocontrole que seus amigos impõe sobre o alcoólatra é monstruosa. Se isso for verdade, então o alcoólatra está correto em rejeitá-la. Ele terá chegado à reductio ad absurdum da epistemologia convencional.

Mas essa descrição do alcance do reductio ad absurdum inclina-se em direção à teleologia [4]. Se a proposição “isso não vai funcionar” não puder ser mantida dentro da codificação do processo primário, como então a computação do processo primário poderá direcionar o organismo a tentar aqueles cursos de ação que irão demonstrar que “isso não irá funcionar?”.

Problemas desse tipo geral são freqüentes na psiquiatria e talvez só possam ser resolvidos por um modelo no qual, sob certas circunstancias, o desconforto do organismo ative uma retro-alimentação positiva sobreposta para aumentar o comportamento que precede o desconforto. Tal retro-alimentação positiva irá prover uma verificação que era realmente aquele comportamento particular que trouxe o desconforto, e pode aumentar o desconforto a um nível no qual a mudança se tornará possível.

Em psicoterapia tal retro-alimentação positiva sobreposta é comumente gerada pelo terapeuta que empurra o paciente na direção de seus sintomas – uma técnica que tem sido chamada de “duplo vínculo terapêutico”. Um exemplo dessa técnica é mencionado mais tarde nesse ensaio, onde um membro de AA desafia o alcoólatra a ir e “beber controladamente” a fim de que ele descubra por si mesmo que ele não tem controle.

É também usual que os sintomas e alucinações do esquizofrênico – como sonhos – constituem uma experiência corretiva, de forma que todo o episódio esquizofrênico tome o caráter de uma auto-iniciação.

Será percebido que a possível existência de tal retro-alimentação positiva sobreposta, que irá causar uma perda de controle na direção de um aumento do desconforto até algum limite (que pode estar do outro lado da morte), não é incluído nas teorias convencionais do aprendizado. Mas uma tendência a verificar o desagradável por procurar repetir a experiência do desagradável é um traço comum ao homem. É talvez o que Freud chamou de “instinto de morte”.


O estado da embriaguez

O que tem sido dito acima sobre a esteira rolante do orgulho simétrico é apenas uma metade do quadro. É o quadro do estado de mente do alcoólatra batalhando com a garrafa. Claramente este estado é muito desagradável e também é claramente irrealista. Seus “outros” são também totalmente imaginários ou são distorções grosseiras de pessoas das quais ele é dependente e a quem pode amar. Ele tem uma alternativa a este estado desconfortável – ele pode embriagar-se. Ou, “pelo menos”, tomar um drinque.

Com essa rendição complementar, que o alcoólatra freqüentemente verá como um ato ofensivo -  ou um tiro parciano em uma guerra simétrica (ele entrega-se mas atirando) – sua epistemologia toda muda. Suas ansiedades, ressentimentos e pânico desaparecem como por mágica. Seu autocontrole é relaxado, mas sua necessidade de comparar-se com outros é reduzida mais ainda. Ele sente o calor fisiológico do álcool em suas veias e, em muitos casos, um aquecimento psicológico correspondente em relação ao outros. Ele pode estar eufórico ou raivoso, mas ele ao menos se tornou novamente uma parte da cena humana.

Dados diretos baseados na tese de que a passagem da sobriedade para a intoxicação é também uma passagem do desafio simétrico para a complementaridade são escassos, e sempre confundidos tanto pelas distorções da memória e pela toxicidade complexa do álcool. Mas há fortes evidências da música e da história que indicam que a passagem é desse tipo. Em rituais, a participação do vinho sempre é tomada como agregação social de pessoas unidas em “comunhão” religiosa ou em reuniões seculares. Em um senso bastante literal, o álcool supostamente faz com que o indivíduo veja-se como e age como uma parte do grupo. Ou seja, habilita a complementaridade nos relacionamentos que o cercam.



Atingindo o fundo do poço

AA dá grande importância a esse fenômeno e considera que o alcoólatra que não atingiu o fundo do poço um pobre candidato para sua ajuda. Contrariamente, eles estão inclinados a explicar sua falha por dizer que o indivíduo que volta ao seu alcoolismo não atingiu o “fundo do poço” ainda.

Certamente muitos tipos de desastre podem causar que um alcoólatra atinja o fundo do poço. Vários tipos de acidente, um ataque de delirium tremens, um período de tempo alcoolizado do qual ele não se lembra, rejeição pela esposa, perda do trabalho, diagnose de um caso perdido e assim por diante – qualquer um desses pode ter o efeito requerido. AA diz que o “fundo” é diferente para diferentes pessoas e alguns podem morrer antes de alcançá-lo.

É possível, no entanto, que o “fundo” seja alcançado muitas vezes por uma dada pessoa; que o “fundo” é um surto de pânico que era um momento favorável a mudanças, mas não um momento no qual a mudança é inevitável. Amigos e parentes e mesmo terapeutas podem empurrar o alcoólatra para fora de seu pânico, seja com drogas ou com reafirmação, de modo que ele “se recupera” e retorna para seu “orgulho” e alcoolismo – somente para atingir um “fundo” mais desastroso algum tempo depois, quando ele irá novamente estar pronto para uma mudança. As tentativas de mudar um alcoólatra em um período entre tais momentos de pânico estão fadados a não dar certo.

A natureza do pânico é clarificada pela seguinte descrição de um “teste”:

Nós não gostamos de pronunciar qualquer pessoa como alcoólatra, mas você pode rapidamente diagnosticar você mesmo. Entre no próximo bar e tente algum beber controlado. Tente beber e parar de repente. Tente mais de uma vez. Não levará muito tempo para você se decidir, se for honesto sobre si mesmo. Pode ser valiosa uma ressaca grave se você conseguir um pleno conhecimento de sua condição.

Nós podemos comparar o teste citado acima ao ordenar um motorista que breque repentinamente em uma pista escorregadia: ele descobrirá rapidamente que seu controle é limitado.

O pânico do alcoólatra que atinge o fundo do poço é o pânico de um homem que pensa ter controle sobre seu veículo mas repentinamente descobre que o veículo perde o controle com ele. Repentinamente, a pressão sobre o que ele conhece como breque parece fazer o veículo seguir mais rápido. É o pânico de descobrir que ele (o sistema, ele mais o veículo) é maior que ele é.

Em termos da teoria apresentada aqui, nós podemos dizer que atingir o fundo do poço exemplifica a teoria de sistemas em três níveis:

  1. O alcoólatra trabalha nos desconfortos da sobriedade a um ponto limite no qual ele arruinou a epistemologia do “autocontrole”. Ele, então, fica embriagado – porque o sistema é maior que ele – e ele pode muito bem se render a ele.

  2. Ele trabalha repetidamente em tornar-se embriagado até que prove que ele é um sistema ainda maior. Ele então encontra o pânico do “fundo de poço”.

  3. Se amigos e terapeutas o reafirmarem, ele pode chegar a um ajustamento ainda mais instável – tornando-se adicto à sua ajuda – até que ele demonstre que seu sistema não funcionará, e atinja o “fundo de poço” novamente, mas em um nível mais baixo. Nisso, como em todos os sistemas cibernéticos, o sinal (mais ou menos) do efeito de qualquer intrusão sobre o sistema depende do tempo adequado (timing).

  4. Finalmente, o fenômeno de atingir o “fundo do poço” é complexamente relacionado à experiência do duplo vínculo. Bill W. narra que ele atingiu seu fundo de poço quando foi diagnosticado como um alcoólatra sem esperança pelo Dr. Willian D. Silkwork em 1939, e esse evento é considerado como o início da história de AA. O Dr. Silkwork também “nos supriu as ferramentas que vão furar o ego alcoólico mais duro, aquelas frases demolidoras pelas quais ele descreveu a nossa doença: a obsessão da mente que compele-nos a beber e a alergia do corpo que nos condena a ficarmos loucos ou morrer.” Esse é o duplo vínculo corretamente fundado cobre a epistemologia dicotômica do alcoólatra da mente versus corpo. Ele é forçado por essas palavras para trás e para trás até o ponto no qual somente uma mudança involuntária na epistemologia inconsciente profunda – uma experiência espiritual – irá tornar irrelevante aquela descrição letal.





A teologia de Alcoólicos Anônimos.


Alguns dos pontos notáveis da teologia de AA são:

  1. Há um Poder maior que o self. A cibernética vai um pouco além e reconhece que o “self” como comumente entendido é apenas uma pequena parte de um sistema de ensaio-e-erro muito maior que faz o pensamento, a ação e a decisão. Esse sistema inclui todas as trilhas informacionais que são relevantes em um dado momento em uma dada decisão.  O “self” é uma reificação falsa de uma parte delimitada impropriamente desse campo mais amplo de processos que se interconectam. A cibernética também reconhece que duas ou mais pessoas – qualquer grupo de pessoas – podem juntas forma tal sistema pensante-agente.

  2. Esse Poder é sentido como sendo pessoal e sendo intimamente ligado com cada pessoa. É “Deus como você o concebe”. Ciberneticamente falando, “minha” relação com qualquer sistema mais amplo à minha volta e incluindo outras coisas e pessoas será diferente de “sua” relação a algum sistema similar em torno de você. A relação “parte de” deve necessariamente e logicamente ser sempre complementar, mas o sentido da frase “parte de” será diferente para cada pessoa.[5] Essa diferença será especialmente importante em sistemas contendo mais que uma pessoa. O sistema ou “poder” deve necessariamente parecer diferente a partir de onde cada pessoa está. Além disso, é esperado que tais sistemas, quando eles encontram mutuamente, irão reconhecer um ao outro como sistemas nesse sentido. A “beleza” da floresta através da qual eu ando é meu reconhecimento tanto das árvores individuais como da ecologia total das florestas como sistemas. Um reconhecimento estético similar é ainda mais notório quando eu ando com outra pessoa.

  3. Um relacionamento favorável com este Poder é descoberto pelo atingir o “fundo do poço” e pela “rendição”.

  4. Por resistir a esse Poder, homens e especialmente os alcoólatras trazem desastre sobre si mesmos. A filosofia materialista que vê o “homem” como posto a lutar contra seu ambiente está se desmoronando rapidamente à medida que o homem tecnológico se torna mais e mais capaz de opor-se a sistemas mais amplos. Cada batalha que ele ganha traz uma ameaça de desastre. A unidade de sobrevivência – seja na ética como na evolução – não é o organismo ou a espécie, mas o sistema mais amplo ou “poder” dentro do qual a criatura vive. Se a criatura destrói esse ambiente, ela destrói a si mesma.

  5. Mas – e isso é importante – o Poder não recompensa nem pune. Ele não tem “poder” nesse sentido. Na frase bíblica, “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que conhecem a Deus”. E, contrariamente, àqueles que não o conhecem. A idéia de um poder no sentido de um controle unilateral é estranha a AA. Sua organização é estritamente “democrática” (sua palavra), e mesmo sua divindade é ainda ligada por aquilo que podemos chamar de um determinismo sistêmico. A mesma limitação se aplica tanto ao relacionamento entre o padrinho de AA e o bêbado a quem ele espera ajudar e ao relacionamento entre o escritório central de AA e cada grupo local.

  6. Os dois primeiros passos de Alcoólicos Anônimos. Tomados juntos identificam a adicção como uma manifestação desse Poder.

  7. A relação saudável entre cada pessoa e seu Poder é complementar. Está em contraste preciso ao “orgulho” do alcoólatra, que é baseado em um relacionamento simétrico a um “outro” imaginado. A esquimogênese é sempre mais poderosa que os participantes nela.

  8. A qualidade e o conteúdo da relação de cada pessoa ao Poder são indicadas ou refletidas na estrutura social de AA. O aspecto secular desse sistema – sua governança - e delineada nas “Doze Tradições” que suplementam os “Doze Passos”, esses últimos desenvolvendo o relacionamento do homem com o Poder. Os dois documentos sobrepõem-se no Décimo Segundo Passo, que afirma a ajuda a outros alcoólatras como um exercício espiritual necessário, sem o qual o membro é passível de recaída. O sistema todo é uma religião Durkheimiana no sentido que a relação entre o homem e sua comunidade; e paralela ao relacionamento entre homem e Deus. “AA é um Poder superior a todos nós”.

    Em suma, o relacionamento de cada indivíduo com o “Poder” é melhor definido nas palavras”é parte de”.

  9. Anonimato. É preciso entendem que anonimato significa muito mais no pensamento e na teologia de AA que a mera proteção de seus membros à exposição e vergonha. Com a crescente fama e sucesso da organização como um todo, tornou-se uma tentação para os membros usarem o fato de sua filiação como um recurso positivo em relacionamentos públicos, na política, educação e muitos outros campos. Bill. W., o co-fundador da organização, percebeu-se envolvido por essa tentação nos primeiros dias e discutiu essa questão em um artigo publicado. Ele viu primeiro que qualquer procura dos holofotes deve ser um perigo pessoal e espiritual ao membro, que não pode sujeitar-se a tal autopromoção; e além disso que será fatal para a organização como um todo tornar-se envolvido em política, controvérsias religiosas e reformas sociais. Ele afirma claramente que os erros do alcoólatra são os mesmos que as “forcas que hoje estão rasgando o mundo completamente”, mas não é a proposta de AA salvar o mundo. Seu propósito único é “levar a mensagem de AA ao doente alcoólatra que a desejar”. Ele conclui que o anonimato é “o maior símbolo de auto-sacrifício que conhecemos”. Em outro lugar a décima segunda das “Doze Tradições” afirma que “o anonimato é a fundação espiritual de nossas tradições, sempre nos lembrando a colocar os princípios antes das personalidades”.

    A isso podemos acrescentar que o anonimato é também uma afirmação profunda da relação sistêmica, da parte para o todo. Alguns teóricos sistêmicos irão bem mais adiante, porque uma tentação maior para a teoria dos sistemas jaz na reificação de conceitos teóricos. Anatol Holt diz que ele queria um adesivo para colar em pára-choques que dissesse (paradoxalmente); “pise nos nomes”.

  10.  Oração. O uso da oração por AA similarmente afirma a complementaridade do relacionamento parte-todo pela técnica bem simples de pedir por aquele relacionamento. Eles pedem por aquelas características pessoais, como a humildade, que é de fato exercida no próprio ato de orar. Se o ato da oração for sincero (o que não é tão fácil), Deus nada pode fazer a não ser atender o pedido. E isso é peculiarmente verdade de “Deus, conforme você o concebe”. Essa tautologia auto-afirmativa, que contém sua própria beleza, é precisamente o bálsamo requerido depois das angustias dos duplos vínculos que chegaram com o fundo de poço.

    De um modo mais complexo é a famosa “Oração da Serenidade”: “Concedei-me, Senhor, a serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para discernir a diferença”.

    Se os duplos vínculos causam angústia e desespero e destroem as premissas epistemológicas pessoais em um nível profundo, então se segue, contrariamente, que para a recuperação dessas dores e para o desenvolvimento de uma nova epistemologia, alguma mudança de duplo vínculo será apropriada. O duplo vínculo conduz à conclusão do desespero, “não há alternativas”.  A Oração da Serenidade explicitamente liberta o adorador desses laços enlouquecedores.

    Nessa conexão vale a pena mencionar que o grande esquizofrênico, John Perceval, observava uma mudança em suas “vozes”. No começo de sua psicose elas abusavam dele com “ordens contraditórias” (ou como eu diria, duplos vínculos), mas mais tarde ele começou a recuperar-se quando elas lhe ofereciam escolhas de alternativas claramente definidas.

  11. Em uma característica, AA difere profundamente de tais sistemas mentais naturais como a família ou uma floresta de carvalhos. Ele tem um único propósito – “levar a mensagem de AA ao doente alcoólatra que a desejar” - e a organização é dedicada à maximização desse propósito. A esse respeito, AA não é mais sofisticada que a General Motors ou uma nação ocidental. Mas sistemas biológicos, além daqueles baseados sobre idéias ocidentais (e especialmente dinheiro), têm múltiplos propósitos. Não há uma variável única na floresta de carvalhos da qual podemos dizer que o sistema todo está orientado para maximizar aquela variável e todas as outras variáveis são subsidiárias a ela; e, no entanto, a floresta de carvalhos trabalha em direção a uma otimização e não a uma maximização. Suas necessidades são saciáveis, e muito de qualquer coisa é tóxica.

    Há, no entanto, isso: que o propósito único de AA é dirigido para fora e apontado para um relacionamento não competitivo cm o mundo mais extenso. A variável a ser maximizada é uma complementaridade e é da natureza de “serviço” e não de dominação.


O STATUS EPISTEMOLÓGICO DE PREMISSAS COMPLEMENTARES E SIMÉTRICAS

Foi notado acima que na interação humana, a simetria e a complementaridade podem ser combinadas complexamente. Portanto é razoável perguntar como é possível considerar esses temas como tão fundamentais que eles devam ser chamados “epistemológicos”, mesmo em um estudo da história natural de premissas culturais e interpessoais.

A resposta parece pairar sobre o que significa “fundamental” em tal estudo da história natural do homem; e a palavra parece carregar dois tipos de significado.

Primeiro, eu chamo de mais fundamentais aquelas premissas que são mais profundamente integradas na mente, que são de “programação mais difícil” e menos suscetíveis a mudanças. Nesse sentido, o orgulho simétrico ou autoconfiança exagerada do alcoólatra é fundamental.

Segundo, eu devo chamar de mais fundamental aquelas premissas de mente que se referem a sistemas ou formas mais amplos e não menores do universo. A proposição “a grama é verde” é menos fundamental que a proposição “diferenças de cor fazem uma diferença”.

Mas, se nós perguntarmos o que acontece quando premissas são mudadas, torna-se claro que essas duas definições de “fundamental” se sobrepõe em grande extensão. Se um homem alcança ou sofre mudanças em premissas que são profundamente entranhadas em sua mente, ele irá certamente perceber que os resultados dessa mudança se ramificarão através de seu universo inteiro. Podemos chamar tais mudanças de “epistemológicas”.

A questão então permanece em relação ao que é epistemologicamente “correto” e o que é epistemologicamente “errado”. A mudança do “orgulho” alcoólico simétrico para as espécies de complementaridades de AA é uma correção de sua epistemologia? E a complementaridade é sempre de alguma forma melhor que a simetria?

Para o membro de AA, pode bem ser verdade que a complementaridade é sempre preferível à simetria e que mesmo a rivalidade trivial de um jogo de tênis ou xadrez possa ser perigosa. O episódio superficial pode tocar uma premissa simétrica profundamente entranhada. Mas isso não significa que o tênis ou o xadrez proponha um erro epistemológico para todo mundo.

O problema ético e filosófico envolve-se apenas com os níveis mais amplos do universo ou mais profundos da psicologia. Se nós acreditamos profundamente e inconscientemente que nossas relações com o sistema mais amplo que nos envolve – o “Poder maior que nós mesmos” – é simétrico e emulativo, então nós estamos em erro.


Limitações da hipótese


Finalmente, a análise acima está sujeita às seguintes limitações e implicações:

  1. Não é afirmado que todos os alcoólatras operam de acordo com a lógica que está delineada aqui. É bem possível que existam outros tipos de alcoólatras e é quase certo que a adicção alcoólica em outras culturas seguirão outras linhas.

  2. Não é afirmado que o modo de Alcoólicos Anônimos é a única forma de viver corretamente ou que sua teologia é a única derivação correta da epistemologia da cibernética e da teoria de sistemas.

  3. Não é afirmado que todas as transações entre seres humanos devam ser complementares, apenas de ser claro que a relação entre o indivíduo e o sistema mais amplo do qual ele faz parte deva ser necessariamente assim. Relações entre pessoas serão (eu espero) sempre complexas.

  4. No entanto, é afirmada que o mundo não alcoólico tem muitas lição que podem ser aprendidas da epistemologia da teoria de sistemas e dos modos de AA. Se nós continuarmos a operar em termos de um dualismo cartesiano de mente versus matéria, provavelmente nós iremos também continuar a ver o mundo em termo de Deus versus homem; elite versus povo; raça eleita versus os outros; nações versus nações; e homem versus ambiente. É duvidoso se uma espécie tendo ambas uma tecnologia avançada e essa forma estranha de olhar seu mundo possa sobreviver.


[1] Essa frase é usada por AA para ironizar o alcoólatra que tenta usar a força de vontade contra a garrafa. A citação, junto com a frase “minha cabeça está sangrando mas não está curvada”, vem do poema “Invictus” de William Ernest Henley, que era um deficiente físico mas não um alcoólatra. O uso da vontade para conquista da dor e de uma deficiência física provavelmente não é comparável ao uso da vontade pelo alcoólatra.
[2] NT: bit: Abreviação do inglês bi(nary) (digi)t. Unidade mínima de informação em um sistema digital, que pode assumir apenas um de dois valores (geralmente 0 ou 1). 
[3] Esse uso da estrutura contextual formal como um mecanismo descritivo não assume necessariamente que o princípio discutido é no todo ou em parte realmente aprendido em contextos tendo a estrutura formal apropriada. O princípio pode ter sido geneticamente determinada, e pode ainda seguir que o princípio é melhor descrito pela delineação forma dos contextos nos quais ele é exemplificado. É precisamente esse ajuste do comportamento ao contexto que torna dificultoso ou impossível determinar se um princípio de comportamento era geneticamente determinado ou aprendido naquele contexto. Ver G. Bateson “Social Planning and the Concept of Deutero-Learning”, Conference on Science, Philosophy and Religion, Second Symposium, New York, Harper, 1942.
[4] Estudo da finalidade.  Doutrina que considera o mundo como um sistema de relações entre meios e fins; teologismo. [Cf., nesta acepç., finalismo.] Estudo dos fins humanos. 
[5] Essa diversidade em estilos de integração pode explicar o fato de que algumas pessoas se tornam alcoólatras enquanto outras não.